Em seu mais recente livro, o cientista político Francis Fukuyama, professor da Universidade Stanford (EUA), analisa a formação histórica das instituições políticas e conclui que aprimorar a gestão pública é o grande desafio do século 21 para a maior parte dos países. Para Fukuyama, reformar o estado é essencial para que os sistemas democráticos continuem a ter legitimidade.

Quando se fala em melhorar os serviços públicos, normalmente pensamos em saúde, educação e transporte, por exemplo, mas essa mudança é importante e pode ser feita nas mais diversas instituições que prestam serviços ao cidadão.

É o que vem demonstrando diversas iniciativas implementadas no Judiciário de Minas Gerais nos últimos anos. Uma dessas nasceu do diálogo entre as Varas da Fazenda Pública Municipal e a Prefeitura de Belo Horizonte. Com mais de 138 mil processos no acervo em 2013, em seis varas, os magistrados e a Prefeitura de Belo Horizonte começaram a implementar uma série de mudanças com o objetivo de reverter o quadro de acúmulo processual, que infelizmente é comum no Judiciário de todos os estados da Federação.

Juízas Luzia Peixôto e Simone Botoni e juiz Maurício Linhares


De acordo com o juíza Luzia Peixôto, da Vara de Execução Fiscal Municipal, foi fundamental estabelecer um diálogo permanente com o Poder Executivo de Belo Horizonte, que é um dos principais demandistas nas Varas da Fazenda.


Mudança de postura

Em julho de 2013, o prefeito Márcio Lacerda publicou o Decreto nº 15.304, determinando a desistência, por parte da Prefeitura, de todos os casos de cobrança judicial em andamento com valores de até R$ 5 mil. As cobranças passaram a ser feitas por via administrativa. Apenas essa mudança extinguiu 41 mil processos que estavam nas prateleiras do Judiciário.

As negociações com a Prefeitura de Belo Horizonte tornaram-se permanentes, o que permitiu que, em 2015, o prefeito publicasse novo Decreto (nº 15.930) desistindo das execuções fiscais com valores inferiores a R$ 10 mil. Essa nova decisão permitiu a extinção de outras 34 mil ações, e a Prefeitura passou a fazer a cobrança por meio de protesto eletrônico nos cartórios.

De 2013 a 2015, portanto, as negociações permitiram a extinção de nada menos que 75 mil processos.

"As mudanças diminuíram o acervo, e os juízes puderam se concentrar nos demais casos, conferindo mais agilidade e dinâmica ao trabalho, otimizando ainda as demandas dos jurisdicionados contra a Prefeitura", afirma a juíza Luzia Peixôto. A magistrada também ressalta a importância de iniciativas como os programas de desconto e parcelamentos de créditos em favor do município, pois isso representa milhares de ações que deixam de ser ajuizadas.

Gestão aplicada

Os processos de gestão também foram aplicados na mudança de competência das seis Varas de Feitos da Fazenda Pública Municipal de Belo Horizonte. Todas, até 2015, lidavam com todos os tipos de processo. A partir de 2016, duas dessas varas passaram a se dedicar exclusivamente à execução fiscal, e o cargo de juiz de uma delas foi transformado em cargo de juiz do Juizado Especial da Fazenda Pública, com benefícios para o cidadão.

Para a juíza Simone Lemos Botoni, da 2ª Vara de Execução Fiscal Municipal, a mudança tende a melhorar o fluxo de trabalho nos gabinetes. "Acredito que vamos conseguir administrar os processos de maneira mais eficiente e eficaz, padronizando os processos internos de cada secretaria. O método será melhor e, consequentemente, os resultados também", prevê a magistrada.

"A especialização leva à otimização e à melhoria do serviço. Essa mudança passou a ser uma necessidade, principalmente em função da quantidade de processos no Judiciário atualmente", afirma o juiz Maurício Leitão Linhares, que responde atualmente pela 1ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal.


Acervo processual nas Varas da Fazenda Pública de BH

Em 2013:

138 mil processos
Em 2015:
63 mil processos

Como era até 2015:

- 6 Varas de Feitos da Fazenda Pública Municipal
A partir de 2016:
- 3 Varas de Feitos da Fazenda Pública Municipal
- 2 Varas de Execução Fiscal Municipal
- 1 cargo a mais na Unidade do Juizado Especial da Fazenda Pública

Fonte: Varas de Feitos da Fazenda Pública de BH



Integração


A excelência no atendimento ao cidadão foi a principal preocupação no projeto de mudança na gestão das Varas da Fazenda da Capital. O próximo passo será a criação de uma estrutura conjunta com a Procuradoria do Município. Isso permitirá que o cidadão seja atendido em apenas um local, sem ter que se deslocar pela cidade, e também será uma forma de implantar de maneira permanente a prática da conciliação.

Abre-se, assim, a possibilidade de o cidadão ter seu problema resolvido com agilidade, a Prefeitura ganha com mais receita para investir na cidade e o Judiciário é desafogado e cumpre seu papel de pacificador social.

Cobrança eficiente

O gerente de Atividades de Execução Fiscal da Procuradoria de Belo Horizonte, procurador Gustavo Levate, aponta as mudanças trouxeram mais agilidade ao trâmite das execuções fiscais. "Com a diminuição do número de ações, pudemos nos concentrar em processos mais recentes e com maiores valores", argumenta Levate.

A Procuradoria do município ingressava com uma média de 20 mil execuções por ano no Judiciário até 2012. No ano passado, foram 6 mil. O procurador explica que, em termos de gestão estratégica, cada cobrança tem uma maneira mais eficiente de ser feita, com protesto em cartório ou por meio de execução fiscal. Com isso, a arrecadação da prefeitura não diminuiu em função das mudanças realizadas.

Expansão pelo Estado

Em novembro de 2014, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) colocou em prática o programa Execução Fiscal Eficiente, em parceria com o Tribunal de Contas de Minas Gerais, para expandir as ações que visam reduzir a taxa de congestionamento dos processos em todo o Estado e propor alternativas de cobrança, como o protesto extrajudicial. A iniciativa já está presente em mais de 70 comarcas mineiras e tem gerado resultados altamente positivos. Por seus números apresentados, o projeto recebeu menção honrosa no Prêmio Innovare 2015.

De acordo com estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), de 2011, o custo médio de um processo de execução fiscal no país é de R$ 4,3 mil, quantia suportada pelo poder público, ou seja, pelos municípios exequentes e pelo Judiciário.

Segundo o terceiro vice-presidente do TJMG, desembargador Wander Marotta, com a adesão ao projeto Execução Fiscal Eficiente, os municípios deixam, imediatamente, de enviar novos processos ao Judiciário, além de extinguirem parte dos já existentes. “Considerando o alto custo dos processos e a elevada taxa de congestionamento das execuções, o sucesso é medido tanto pela economia financeira quanto pela redução do acervo”, afirma o desembargador.

O total de execuções municipais gira em torno de 538 mil processos. Cerca de 80% desse montante (430 mil processos) dizem respeito a execuções cujos valores são inferiores a R$ 4 mil, ou seja, abaixo do custo do processo para o Poder Público, o que torna absolutamente antieconômico o seu ajuizamento.

- Custo médio de um processo de execução fiscal no país: R$ 4,6 mil*
- Total de execuções fiscais municipais em Minas atualmente: 538 mil processos**
- Número de execuções cujos valores são inferiores a R$ 4 mil: 430 mil processos**
- Percentual de cumprimento da meta do projeto Execução Fiscal Eficiente:102,29% (Justiça Comum) e 135,86% (Juizados Especiais)**

*Fonte: Ipea
**Fonte: TJMG


Atingindo a meta

A meta do TJMG de reduzir para 86% as taxas de congestionamento dos processos relativos às ações de execução fiscal municipal e de execução cível foi alcançada no período de janeiro a outubro de 2015. No ano de 2015, ocorreram 57.469 distribuições e 161.081 baixas (apuradas até o mês de outubro).

O percentual de cumprimento da meta foi de 102,29% (Justiça Comum) e 135,86% (Juizados Especiais). No caso da redução da taxa de congestionamento das ações de execução fiscal, a porcentagem de cumprimento da meta foi de 99,52% até os quatro primeiros meses de 2015.

Convencimento

O desafio agora é promover a expansão do projeto para todas as comarcas do Estado. Para Wander Marotta, o sucesso depende principalmente da interlocução do Tribunal com as Prefeituras. “É preciso que haja um trabalho de convencimento no sentido de mostrar que os resultados, quanto à efetiva arrecadação desses créditos, podem ser obtidos com mais eficiência em um prazo menor”, afirma o desembargador.

*Matéria publicada no Jornal Decisão de fevereiro de 2016