Para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, a Amagis está fazendo, desde a segunda-feira (7), uma série de entrevistas que destacam a mulher no mercado de trabalho, especialmente na Magistratura, a defesa de seus direitos e suas conquistas históricas. A primeira entrevista foi com a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do STF (Leia aqui). Nesta terça, a juíza Marixa Fabiane Rodrigues, do Juizado Especial Cível de Belo Horizonte, destaca a mulher na Magistratura e seu pequeno número de representantes, e afirma que o preconceito ainda é enraizado, tanto nas searas privadas quanto públicas. Além disso, a juíza apresenta as maiores conquistas e admite que faltam mulheres nos órgãos de cúpula.
O preconceito contra a mulher ainda está vivo. Como é no Judiciário?
O preconceito contra a mulher é extremamente presente, tanto na seara privada quanto na seara pública, o que não poderia deixar de ocorrer dentro do Poder Judiciário, principalmente na Justiça Mineira, que é extremamente conservadora e machista. Atualmente, são 130 cargos de desembargador, dos quais 23 são ocupados por mulheres. Este é um número muito aquém daquele que podemos considerar satisfatório em termos de representatividade de gênero em um Tribunal de Justiça.
Este número de mulheres no Tribunal de Justiça de Minas, embora pequeno já constitui um grande avanço. Basta pensarmos há um tempo atrás, o Tribunal de Justiça era um órgão predominantemente masculino. No entanto, o que percebemos é que quando há uma vaga para ser preenchida para desembargador pelo critério de merecimento, por exemplo, e se houver dois candidatos, um do sexo masculino outro do feminino, com a mesma qualificação, bagagem jurídica e experiência, provavelmente o candidato homem vai levar vantagem, e a mulher será preterida.
Ainda se desconfia da competência da mulher?
A questão não é de confiança na competência da mulher. Às vezes, aquele órgão de cúpula pode até confiar muito na competência daquela pessoa, mas ela não é escolhida para ocupar o cargo, justamente por esta organização nutrir, ainda que silenciosamente, o pensamento machista de que o homem é melhor. O preconceito está aí enraizado nos órgãos dos Tribunais do País e é uma questão cultural que precisa ser refletida e modificada.
O Poder Judiciário em relação ao Executivo e Legislativo é mais democrático pelo fato de fazer concurso, ao contrário dos outros?
A partir do momento que existe o concurso público, você coloca em pé de igualdade as oportunidades para homens e mulheres. Nos exames nos quais não há identificação do candidato, se é do sexo masculino ou feminino, aquela banca examinadora não tem como preterir as candidatas mulheres. Será uma aprovação pelo mérito, em um processo democrático para ingresso na Magistratura. Mas, a partir daí, é que a coisa muda. É, por isso, que embora tenha aumentado o ingresso de mulheres na Magistratura, vemos poucas ocupando órgãos de cúpula.
Quais contribuições as mulheres trouxeram para a Magistratura?
Temos de pensar que não devemos esperar uma absoluta mudança de uma instituição somente pelo fato de ter mais mulheres. Se partirmos do princípio de que homens e mulheres são iguais nós temos de concluir que ambos terão idêntica contribuição a dar. Não podemos dizer que a mulher vai descobrir o 'ovo de Colombo', ou que, com mais mulheres, a instituição vai ser melhor ou pior.
No Poder Judiciário, isso acontece de uma forma sutil, principalmente na interpretação do Direito de Família, para o qual, sem dúvida, a sensibilidade das mulheres traz mecanismos que enriquecem sua apreciação em um processo de família, de uma forma, eu acredito, um pouco privilegiada em relação aos homens. Mas, na verdade, somos todos iguais, homens e mulheres, e o importante é que tenhamos magistrados e magistradas produtivos e preocupados com a prestação jurisdicional, mais célere e justa, que é o que todos os cidadãos esperam de nós.
Além do preconceito, quais são as outras dificuldades que as magistradas encontram na carreira? A condição itinerante, por exemplo, traz dificuldades para conciliar família e trabalho?
Com certeza, mas não só para as mulheres, os homens também sofrem com isso. Hoje, acho que menos. Na minha época, não existiam as redes sociais. Quando eu trabalhava na Comarca de Nepomuceno, ainda solteira, fiquei muito longe da minha família, que morava no Nordeste de Minas. A única coisa que fazia era trabalhar, chegando a trabalhar 12 a 14 horas por dia, porque não tinha mais nada para fazer, e isso dá certa depressão e certo sofrimento por estar longe de seus familiares e amigos.
É certo que quando fazemos concurso para a Magistratura, sabemos que poderemos ser designados para comarcas distantes e ficar longe dos familiares. Mas não deixávamos de sofrer a solidão da distância dos familiares e das decisões. Hoje, nós temos recursos para superar isso, como as redes sociais, nas quais temos grupos de juízas e juízes de deste e de outros Estados, nos quais trocamos experiências e ideias. A tecnologia nos permitiu comunicar mais e acabou nos aproximando.
Quais são as principais conquistas das mulheres na legislação brasileira?
Podemos começar com o Código Civil, de 1916, que considerava a mulher um ser relativamente incapaz, ou seja, um ser desprovido de capacidade plena e que não podia realizar nenhum ato jurídico sozinha, dependente do pai ou marido. Na sequência, com a conquista do voto, em 1932, fruto das lutas dos movimentos feministas, a mulher passou a participar do processo eletivo, não como candidata, mas como eleitora, o que já era um grande avanço.
Na época da Segunda Guerra Mundial, com a inserção da mulher no mercado de trabalho, e com a Revolução Industrial, a mulher teve de sair para trabalhar, o que provocou a luta dos movimentos feministas por melhores condições de trabalho e reconhecimento de direitos. Em seguida, com o Estatuto da Mulher Casada que colocou um fim na questão da mulher ser um ser relativamente incapaz. Podemos também falar da Lei do Divórcio, de 1977, que quebrou com a indissolubilidade do casamento. Também não podemos esquecer, embora não seja um marco jurídico, mas científico, da pílula anticoncepcional, em 1960, quando as mulheres puderam então ter pleno domínio de sua atividade reprodutiva o que muito contribuiu na luta das mulheres pela igualdade.
E, mais à frente, temos a Constituição de 1988, que pôs uma pá de cal nessa diferença entre homens e mulheres, com a mulher passando a ter participação igualitária nas decisões da família e patrimonial. De 1988 para cá, tivemos vários avanços dessas conquistas, como o Código Civil de 2003. Na área penal, podemos citar a Lei Maria da Penha e a lei que introduziu o feminicídio no códio penal.