A importância da constante atualização dos juízes e demais operadores do Direito é tema de artigo produzido pelo professor de Direito Constitucional da PUC/SP, André Ramos Tavares. No texto, publicado pela Revista Justiça e Cidadania, o autor afirma que um dos maiores desafios do Direito, na sua tentativa de se manter atual, é o de também atualizar seus operadores.
Leia, abaixo, o artigo na íntegra.
O Juiz e o autodidatismo
A má compreensão das leis e o seu desconhecimento provocam falhas (em alguns casos serão traduzidas, tecnicamente, como nulidades) que geram perdas para os detentores de direitos, prejudicando a sociedade como um todo. Considerando as carreiras jurídicas que gozam de vitaliciedade (como a Magistratura) e estabilidade (dos Delegados de Polícia, por exemplo), o grande desafio é não transformar essas garantias em desestímulo ao aprimoramento e à atualização.
Fomentar e estimular o “retorno do juiz à Escola” foi uma das diretrizes do Primeiro Pacto Republicano, conhecido como a Reforma do Judiciário, ocorrida em 2004. É quase um truísmo: um Judiciário emancipado passa por um Judiciário esclarecido.
Mas com recente Resolução, de n. 170, de fevereiro de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, juízes não poderão mais ter subsidiados o transporte e a alimentação quando participarem de eventos educacionais promovidos pela iniciativa privada. A regra atinge diretamente cursos, ciclos de palestras, seminários promovidos com o intuito de capacitar, atualizar e promover o Direito, inclusive e especialmente os eventos realizados por associações de magistrados.
A orientação que está embutida nessa regra não deixa de causar certa perplexidade. Não estamos no campo do dinheiro público (republicanismo), no qual pensaríamos em um protocolo estrito, de contenção e limitação de gastos. Também não estamos na seara da independência, pois inamovibilidade, irredutibilidade e vitaliciedade por óbvio não serão sequer afetadas.
Participar de cursos e eventos educacionais é um componente relevante para a aferição qualitativa do juiz (e do Judiciário). Medidas restritivas nessa área deveriam apresentar robusta explicação. Não é o que acontece. Considerar que o juiz, com tantas garantias, possa ser afetado na sua independência ao participar de curso ou evento que ele próprio elegeu, por conta de um remoto patrocínio, independentemente de processos judiciais concretos nos quais o patrocinador pudesse ter interesse, é estabelecer uma suposição fantasiosa para, na prática real, obstruir a educação e o avanço do conhecimento jurídico.
Há mais. As Escolas oficiais da Magistratura foram impedidas de receber acima do limite de 30% de patrocínio de entidades privadas com fins lucrativos, para realização de eventos técnicos, cursos em geral de aperfeiçoamento ou até mesmo workshops. Não há sentido prático válido nessa vedação. Patrocínios para eventos, fechados ou não, de magistrados ou de qualquer outro segmento profissional, são ainda poucos e precisam muitas vezes contar com certa benevolência (sempre escassa) de entidades privadas patrocinadoras. A Resolução, contudo, parece pressupor uma realidade totalmente oposta, de fartura e malícia dos patrocínios. E, paradoxalmente, adota um percentual de tolerância: 30% seria a taxa de imoralidade aceita? Ora, ou é absolutamente impróprio aceitar esses patrocínios ou imprópria se torna a Resolução.
Considerando que Universidades particulares (excluídas as públicas e as comunitárias) perseguem legitimamente o lucro no Brasil, porque autorizadas constitucionalmente a tanto e fiscalizadas nessa atividade pelo Ministério da Educação, tem-se, por consequências, que juízes não poderão participar de eventos realizados integralmente por Universidades em convênio com Escolas Oficiais da Magistratura. Não importará se o Projeto é valoroso para a Magistratura e os professores de reconhecida competência.
Nos EUA o aporte de agentes privados para a educação é não apenas estimulado mas perfaz grande parcela das fontes de importantes universidades públicas. No Brasil, caminhamos para o custo estatal total ou para o vazio educacional das Escolas da Magistratura. Caberia perguntar, pelo menos, quais são os motivos dessa orientação. Talvez dela surja mais uma obrigação aos juízes: que sejam, imediata e plenamente, autodidatas isolados, mais fechados ainda à discussão.
Autor: André Ramos Tavares, Professor de Direito Constitucional da PUC/SP e do Mackenzie
Artigo publicado pela revista Justiça e Cidadania