* Carlos Frederico Braga da Silva.

Alguns erros são capitais e definitivos; outros, não, possibilitando uma
oportunidade de engrandecimento humano. Em se tratando do cometimento de
infração penal, os efeitos jurídicos decorrentes são graves e relevantes,
porquanto a indispensável repressão ao ilícito criminal é estabelecida de
forma coercitiva na lei. Ora, é sabido que o Direito Penal tutela os
valores mais caros à sociedade, tais como a vida, a liberdade, a honra,
etc; bens jurídicos esses que não podem ser violados sem que aconteça uma
importante e justa repulsa moral coletiva contra a conduta típica. Os
criminosos não necessariamente, mas o crime certamente sintetiza as
mazelas sociais e as situações mais odiadas pela sociedade.

No Brasil, é sabido que a maioria da população carcerária é originária
das classes sociais mais simples das áreas urbanas, porque mais expostas
às situações sociais de risco. Pobreza e marginalidade sequer se
confundem e jamais equivalem à falta de respeito aos valores tutelados
pelo Direito e pela moralidade social: as áreas rurais pobres não são tão
violentas como os entornos das ricas aglomerações urbanas.

Um conhecido equívoco praticado por muitos operadores do Direito consiste
na criminalização da marginalidade ou marginalização da criminalidade.
Não se pretende justificar o injustificável, porquanto o comportamento
criminoso é proibido pelo direito penal positivo. Porém, não se pode
deixar de afirmar que o ordenamento jurídico atualmente é instrumento de
controle social e conserva a situação de concentração de Poder; assim,
por uma questão de egoísmo e de escassez, excluem-se os despossuídos de
recursos financeiros e de formação cultural aprimorada da partilha da
riqueza produzida no País. Daí porque o aumento da população carcerária
segue a mesma curva ascendente da desigualdade social.

Com efeito, é preciso que se faça uma leitura constitucional da situação
dos condenados, o que equivale a uma consistente autocrítica da Nação.
Ora, o perfil deles revela o que lhes faltou, mas principalmente delinea
o que compulsoriamente deve ser feito para a evolução democrática do
País. Noberto Bobbio ensinou que os direitos humanos são aqueles cujo
reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa
humana ou para o desenvolvimento da civilidade. Nas palavras do professor
Luís Roberto Barroso, trata-se de um indispensável filtro civilizatório
pelo qual todo ser humano tem de passar.

À luz da Sociologia de Durkheim, o Brasil se autodefine como uma
sociedade baseada na solidariedade orgânica, porquanto os seus
fundamentos constitucionais são a soberania, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o
pluralismo político. Nada obstante, na prática ainda impera a
solidariedade mecânica, que reprime de imediato o crime, ao invés de
aprimorar a estrutura organizacional do País como parte de uma política
criminal preventiva.

Em verdade, a crescente taxa de criminalidade revela a anomia imperante
no inconsciente coletivo Brasileiro, no que diz respeito aos direitos
fundamentais, porque ainda não compreendemos a inteireza lógica dos
primeiros artigos da nossa excelente Constituição nem a necessidade de
considerarmos seriamente a incidência imperiosa dos dispositivos da ordem
econômica e social. Passivamente assistimos a omissões sócio-estatais
causadoras de lesões a interesses tutelados constitucionalmente. Assim,
num mundo pós-comunismo e em plena crise do capitalismo, a verdadeira
questão não é se inspirar no modelo do "vencedor", mas, sim, evitar que a
população de "perdedores" aumente em demasiado, causando o colapso dos
valores morais contidos nas leis. O estudo do direito ao mínimo
existencial assume relevância ímpar.

Em se tratando de pesquisa científica, o resultado diferente da
expectativa inicial contém informações tão relevantes quanto o acerto
padrão, contribuindo sobremaneira para a evolução da Ciência Jurídica.
Daí porque analisar a pessoa do criminalmente condenado, à luz das suas
imperfeições subjetivas, significa, em verdade, apreciar criticamente as
falhas do ordenamento jurídico e as omissões sócio-estatais. As
necessidades das pessoas e da sociedade são escancaradas quando expostas
no cruel ambiente carcerário. É possível que se identifiquem,
objetivamente, quais valores subjetivos faltaram ou não foram
suficientemente incidentes na personalidade do agente, capazes de
bloquear o seu instinto criminoso.

O resgate da dignidade da pessoa humana e o aprimoramento da cidadania
tem um excelente paradigma ético nos programas de reabilitação de
condenados. Uma sociedade que compreende os seus erros e se compromete,
de maneira humilde e otimista, a reabilitar os seus egressos ao invés de
aniquilá-los, com base nos valores constitucionalmente assimilados,
revela aonde pretende chegar como grupo juridicamente organizado, bem
como prioriza os valores que a irão reger. Agora o dever consiste em
colocar resolutamente mãos à obra.

Sobre o autor:

Juiz de Direito e Professor Universitário

Diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Associação dos Magistrados
Mineiros.

Mestre em Direito Constitucional Comparado - Cumberland School of Law,
Alabama, EUA.