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Abuso de Direito por omissão - Supressio/Surrectio
05/06/2008 02h20 - Atualizado em 09/05/2018 15h27
Autor: AUGUSTO VINICIUS FONSECA E SILVA
EMENTA:
Universidade - Matrícula - Prazo - Perda - Omissão da Universidade - Expectativa gerada em aluno - Ato contraditório - Abuso de direito por omissão - Aplicação concreta da Supressio/Surrectio
SENTENÇA:
Processo: 0194.06.064.730-3
Requerente: V. L. S.
Requerida: UNILESTE/UBEC – União Brasiliense de Educação e Cultura
SENTENÇA
Dispensado o relatório, com base no art. 38 da Lei nº 9099/1995, passo a decidir, motivadamente.
Trata-se de ação ajuizada por V. L. S. em face de UNILESTE/UBEC – União Brasiliense de Educação e Cultura (f. 02). Alega ser usuária dos serviços prestados pela requerida, mas não conseguiu matricular-se para cursar o segundo semestre de 2006, porque estava inadimplente. Procurou o setor financeiro da requerida, renegociou e pagou a dívida. Entretanto, neste ínterim, perdeu o prazo ordinário para realizar a matrícula mencionada. Solicitou novo prazo, mas não conseguiu obtê-lo, pois que a requerida argumentou que a requerente não teria freqüência às aulas. A despeito disso, afirma ter freqüentado as aulas, realizando, inclusive, provas e trabalhos. Assim, pede a condenação da requerida para que permita realizar sua matrícula. Juntou documentos (ff. 03/16).
Em primeira audiência, a conciliação não foi possível (f. 18).
Ao início da AIJ (f. 41), mais uma vez reproposta a conciliação, sem êxito. A requerida apresentou contestação acompanhada de documentos (ff. 47/61). Hasteou preliminar de incompetência absoluta do juízo, já superada na própria audiência (ff. 43/45). No mérito, defendeu-se sob duas alegações: a) a de que a requerente, de fato, não se matriculou para o segundo semestre de 2006, porquanto estava inadimplente para com a requerida e é direito seu, com base no art. 5º da Lei n. 9870/99, negar a efetivação da matrícula em caso de inadimplência; e b) a de que a requerente freqüentou clandestinamente às aulas, de modo que não se poderia ver beneficiada com esta atitude. Pede, ao final, a rejeição da pretensão condenatória.
A réplica à contestação veio, também, na audiência de instrução (f. 52). Reforça os termos da inicial e pede assistência judiciária (deferida à f. 45). Esclarece, dizendo já estar quite com a requerida desde Setembro de 2006. Impugna a alegação contestativa de presença clandestina em sala de aula, uma vez que isso foi tolerado pela requerida sem que tomasse qualquer providência em relação à requerente, não obstante sabida a situação de inadimplência. Além disso, replica, dizendo haver prestado provas e a feito os trabalhos passados pelos professores. Diz, por fim, que teve bom aproveitamento acadêmico no primeiro semestre de 2006, fato que seria suficiente ao acolhimento do pedido de realização sua matrícula. Juntou documentos (ff. 69/96).
Depoimento pessoal prestado em AIJ (f. 97).
Eis os fatos relevantes.
Fundamento.
Como a preliminar já foi superada, restam presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. Não há nulidades a sanar. Ao mérito, pois.
Trivial dizer-se, à soleira, que a relação jurídica de direito material subjacente é de natureza consumerista, haja vista que, de um lado, temos uma fornecedora de serviços (requerida) e de outro uma consumidora (requerente).
Pois bem.
Da interpretação sistemática do Direito resulta que o Código do Consumidor não exclui a aplicação das normas do macrossistema do Direito Civil, num regime de complementaridade entre ambos. Cláudia Lima Marques chama isso de “diálogo das fontes” e explica:
Realmente, a convergência de princípios entre o CDC e o CC/2002 é a base da inexistência principiológica de conflitos possíveis entre estas duas leis que, com igualdade ou eqüidade, visam à harmonia nas relações civis em geral e nas relações de consumo ou especiais (...). A convergência de princípios é vista hoje como um fato bastante positivo para co-habitação (ou diálogo) das leis novas e antigas no mesmo sistema jurídico. É o que ocorrerá com o CDC e o CC/2002.
O contrato de prestação de serviços de ensino tem natureza bilateral e onerosa. Bilateral, porque
as obrigações das partes são recíprocas e interdependentes: cada um dos contratantes é simultaneamente credor e devedor um do outro, uma vez que as respectivas obrigações têm por causa as do seu co-contratante, e, assim, a existência de uma é subordinada à da outra parte.
A título oneroso, pois “é um contrato no qual a vantagem procurada é proporcional à uma contrapartida”.
Neste sentido, já decidiu o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – INSTITUIÇÃO PARTICULAR –RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA – ALUNO INADIMPLENTE.
1. A Constituição Federal, no art. 209, I, dispõe à iniciativa privada o ensino, desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional.
2. A Lei 9.870/99, que dispõe sobre o valor das mensalidades escolares, trata do direito à renovação da matrícula nos arts. 5º e 6º, que devem ser interpretados conjuntamente. A regra geral do art. 1.092 do CC/16 aplica-se com temperamento, à espécie, por disposição expressa da Lei 9.870/99.
3. O aluno, ao matricular-se em instituição de ensino privado, firma contrato oneroso, pelo qual se obriga ao pagamento das mensalidades como contraprestação ao serviço recebido.
4. O atraso no pagamento não autoriza aplicar-se ao aluno sanções que se consubstanciem em descumprimento do contrato por parte da entidade de ensino (art. 5º da Lei 9.870/99), mas está a entidade autorizada a não renovar a matrícula, se o atraso é superior a noventa dias, mesmo que seja de uma mensalidade apenas.
5. Recurso especial provido.
Aplicável, pois, a princípio, o instituto da exceção de contrato não cumprido, pelo que uma parte não pode exigir da outra que cumpra com sua obrigação contratual se ela própria ainda não cumpriu com a sua.
Especificamente no campo das matrículas em instituições privadas de ensino, prescreve a Lei nacional n. 9870/99:
Art. 5º Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual.
Art. 6o São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias. [grifei]
Ínsitas ao sinalagma de tal contrato, portanto, a obrigação de o aluno pagar a mensalidade e a obrigação de a instituição prestar os serviços de ensino.
Porém, o instituto das obrigações não mais pode ser visto sob a vetusta concepção oitocentista, em que seu único objeto eram um dar, um fazer ou um não-fazer. Daí, à época, serem chamadas de obrigações simples.
A partir da Constituição Federal de 1988, da Lei nacional nº 8078/90 e, sobremaneira, após o novo Código Civil, as obrigações ganharam um nítido colorido solidarista, tornando-se complexas. Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,
as obrigações emanadas de negócios jurídicos são complexas, acrescendo-se às obrigações principais os chamados deveres anexos ou laterais. Seriam obrigações de conduta honesta e leal entre as partes, vazadas em deveres de proteção, informação e cooperação, a fim de que não sejam frustradas as legítimas expectativas de confiança dos contratantes quanto ao fiel cumprimento da obrigação principal deriva