Opções de privacidade

AÇÃO DE COBRANÇA

05/06/2008 02h15 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

AÇÃO DE COBRANÇA
CONSTITUCIONAL
Autor: BRUNO TERRA DIAS

EMENTA:
Resumo: trata-se uma Ação de Cobrança interposta por uma Clínica face ao paciente; referente às despesas hospitalares.
Desfecho: Pedido julgado improcedente, face à afronta ao Código de defesa do Consumidor, CF e Lei 8.080/90.


SENTENÇA:
SENTENÇA PROLATADA PELO MM. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MONTES CLAROS, DR. BRUNO TERRA DIAS


"Vistos etc.

Prontoclínica e Hospitais São Lucas S.A. ajuizou ação de cobrança contra A. A. B. M.. Alega a autora: a) haver firmado com a ré contrato de prestação de serviços médico-hospitalares, tendo em vista o atendimento de A. M., que restou internado nas dependências da autora por 24 dias; b) em razão dos serviços prestados, tornou-se credora da ré pela importância de R$ 14.578,39, estando discriminados em nota fiscal todos os serviços e atividades complementares prestados; c) uma vez que a ré não pagou pelos serviços efetivamente contratados e prestados, requer seja Ana Angélica Borges Messias condenada ao pagamento de R$ 14.578,39.

Inicial instruída com documentos de f. 6-27.

Citada, a ré tempestivamente apresentou contestação às f. 33-41, em que alega: a) em 13/10/99, estando A. M. (marido da ré) internado na Fundação Hospitalar de Montes Claros sob o regime do Sistema Único de Saúde, verificou-se necessidade de sua transferência, encontrando-se o paciente "em estado clínico desesperador", isto em razão de ausência de CTI no local da original internação; b) havendo disponibilidade da necessária unidade de CTI na Prontoclínica e Hospitais São Lucas S.A., somente foi obtida a transferência mediante assinatura de "declaração de responsabilidade" e prestação de caução com emissão de cheque pela ré em favor da autora, embora não dispusesse de condições econômicas para tanto; c) a conduta da autora caracteriza autêntica situação de coação moral, forçando a ré a emitir vontade para internação particular ante fundado temor de dano maior à saúde de A. M.; d) houve estado de necessidade ou estado de perigo a macular a emissão volitiva da ré; e) nos termos do disposto nos art. 99 do Código Civil e 46 do Código de Defesa do Consumidor, pretende a ré seja reconhecido o vício de consentimento, julgando-se improcedente o pleito de cobrança.

Contestação instruída com documentos de f. 42-47.

Impugnação à contestação às f. 49-52, sustentando a livre vontade da ré no momento da contratação, a regularidade da praxe de exigência de caução em cheque, a qualidade dos serviços prestados (a morte do paciente não se deveu a falha do serviço médico-hospitalar) e a regularidade da cobrança. Houve impugnação genérica dos documentos juntados com a contestação.

Especificadas as provas, foi lançado o despacho saneador de f. 56 e v.

Em audiência, após frustrada a conciliação, foi colhida prova oral consistente em depoimento pessoal de representante da autora e em depoimento de uma única testemunha da autora.

Em depoimento pessoal colheu-se, em síntese, que: a) a autora tinha ciência, no momento em que firmado o contrato de prestação de serviços médico-hospitalares com A. A. B. M., de que A. M. se encontrava internado na Fundação Hospitalar de Montes Claros pelo regime do Sistema Único de Saúde; b) a transferência do paciente "deu-se a pedido do respectivo médico, pois que o Hospital Aroldo Tourinho (Fundação Hospitalar de Montes Claros) ainda não contava com atendimento de CTI, o que era necessário para o caso"; c) embora a Prontoclínica e Hospitais São Lucas S.A. dispusesse à época de convênio com o Sistema Único de Saúde para internação em CTI, "não havia disponibilidade de vaga"; d) além da autora, somente a Santa Casa de Montes Claros dispunha de convênio com o Sistema Único de Saúde para internação em CTI nesta cidade; e) Ana Angélica Borges Messias procurou pela internação particular, não solicitando indicação de hospitais onde a internação pudesse ser feita pelo Sistema Único de Saúde.

Do depoimento da única testemunha ouvida, arrolada pela própria autora, extrai-se: a) a testemunha, na qualidade de gerente financeira da autora, foi procurada por familiares do paciente Antônio Messias para transferi-lo "da categoria de internação particular para a categoria SUS", o que não foi permitido, "isto porque tal procedimento contraria as normas do hospital, assim como porque afetaria o corpo clínico e o serviço terceirizado de laboratório", sendo a ré informada da possibilidade de negociação da forma de pagamento do débito; b) a transferência do paciente Antônio Messias deu-se somente "após a contratação da vaga particular"; c) "a internação em CTI pelo SUS no Hospital São Lucas é deferida apenas para os casos em que o primeiro atendimento ocorreu no próprio Hospital São Lucas"; d) "que em 1999 não havia transferências de pacientes internados no Hospital Aroldo Tourinho em CTI pelo SUS para CTI do Hospital São Lucas pelo SUS, sendo certo ainda que a transferência é providenciada pela família do paciente".

Nos debates orais, as partes tornaram a sustentar as teses já esgrimidas na inicial e na contestação.

É o relatório.

Decido.

A solução a ser dada ao pleito deduzido, uma vez apresentada defesa fundamentada em estado de perigo a desencadear a necessidade de contratar para a ré, imputando dolo de aproveitamento à autora, de modo a justificar declaração de nulidade da relação jurídica subjacente à cobrança, passa por considerações de fundamentação legal e doutrinária antes de qualquer consideração quanto a fatos e provas. Portanto, a fundamentação será cindida em: a) considerações sobre o instituto da lesão no Direito Civil; b) dever de boa-fé e eqüidade nas relações de consumo; c) subsunção ou não dos fatos provados à disciplina do instituto da lesão, eventual ferimento ao dever de boa-fé e eqüidade nas relações de consumo e possível violação à Lei 8.080/90; d) conclusão.

a) Considerações sobre o instituto da lesão no Direito Civil.

Não há nos autos dúvidas ou questionamentos quanto à natureza, qualidade e custos do tratamento médico-hospitalar a que foi submetido Antônio Messias, enquanto internado nas dependências da autora, até a verificação do óbito. A única tese sustentada pela ré encaminha argüição de vício do consentimento, sustentando a inexigibilidade da obrigação decorrente de nulidade relativa que se pretende ver reconhecida. Ampara-se formalmente a ré na argüição de coação moral e violação ao art. 46 do Código de Defesa do Consumidor.

Centrada a tese esgrimida pela ré sobre vício do consentimento, sob tal perspectiva há de ser analisada. Cabe ainda ressaltar que dos fatos alegados e provados pela parte se extraem as conseqüências jurídicas, não importando que a qualificação jurídica atribuída pela parte aos fatos provados não coincida com a qualificação jurídica que lhes atribua o julgador. Vigente o entendimento de que da narração e prova dos fatos resulta a prestação jurisdicional (da mihi factum, dabo tibi jus), sem cogitação de adequação na verificação pela parte de subsunção do fato a determinada norma jurídica.

Em visão panorâmica fornecida pelo Direito Civil, tem-se que a vontade deve ser externada livre e seriamente para que possa servir à formação do vínculo obrigacional. Ocorrente divergência entre a vontade da parte e a que restou declarada, força é reconhecer que o consentimento restou viciado (Orlando Gomes, Contratos, 12.