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ação de dúvida

05/06/2008 02h24 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

ação de dúvida
REGISTROS PÚBLICOS
Autor: A. J. F. DE S. P.

EMENTA:
Resumo: Ação de Dúvida proveniente de qual procedimento a ser adotado para o Registro e Matrícula de imóvel rural.
Decisão: Pedido julgado improcedente


SENTENÇA:
Processo nº 7109/01

Vistos etc.

O CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIO PARDO DE MINAS/MG, por intermédio de seu Oficial de Cartórios S. C. M., devidamente qualificado na inicial, SUSCITA DÚVIDA, em síntese, de qual procedimento a ser adotado para o Registro e Matrícula do Imóvel denominado “Fazenda Ribeirão” (Maracaiá), situado no Município de Montezuma/MG, com a área de 950 ha. (novecentos e cinqüenta hectares) que consta de mandado e sentença judicial protocolados no referido Cartório, em 04.05.2001, sob o nº 6936, haja vista que o referido imóvel já tem origem, encontrando-se registrado sob a Matrícula de nº 4105, fls. 125, Livro: 2-P, de 15 de junho de 2000, pertencendo ao Estado de Minas Gerais, como terras devolutas (f. 02/03 - Cv).
Instrui a inicial com documentação probatória (f. 04/11 - Cv).
Notificado o interessado Perfil Agropecuária e Florestal Ltda, o mesmo impugnou a dúvida alegando, resumidamente, que a Fazenda Pública do Estado foi citada para manifestar o seu interesse no processo de usucapião antes de efetuar o registro do imóvel no Cartório, deixando passar in albis o prazo legal, demonstrando no decorrer do feito total desinteresse, tendo inclusive sido publicado edital para citação de eventuais terceiros interessados antes também do registro do referido imóvel, e sido colacionada à inicial da ação de usucapião certidão negativa do Cartório de Registro de Imóveis, sendo que a transcrição da sentença não romperá o encadeamento dominial, permanecendo o Estado com o seu terreno território devidamente matriculado (f. 14/29 - Cv).
O Ministério Público oficiou pela notificação do Estado de Minas Gerais (f. 32/33 - Cv).
Foi intimado o Estado de Minas Gerais e o Instituto de Terras de Minas Gerais, tendo este permanecido inerte (f. 36 - Cv), tendo o Ministério Público em seguida oficiado pela extração de cópias do presente procedimento e do processo de usucapião, remetendo-se ao Instituto de Terras de Minas Gerais - ITER para as providências cabíveis com relação à coisa julgada (f. 38 - Cv).
O Estado de Minas Gerais se manifestou, sustentando, brevemente, que o impugnante-suscitado não cuidou de saber quem era o proprietário da gleba objeto, visto que a terra devoluta foi objeto de discriminatória em Montezuma há mais de dez anos, não tendo sido citado o Estado nos termos do art. 913 do CPC, que não se confunde com a mera ciência do art. 943 do CPC, sendo certo que muito antes do usucapião a terra já era devoluta, vindo a ser dominial com o registro, sendo que não há que se falar em revelia da Fazenda Pública, não tendo como proceder o registro do usucapião e da gleba em nome particular, por não gerar efeitos sobre a terra pública, requerendo a procedência da dúvida ao final (f. 43/51 - Cv).
O Ministério Público em seu parecer final opina pela improcedência da dúvida para que o cartório suscitante proceda a matrícula do imóvel objeto da contenda, averbando-se às margens da matrícula 4105 a transcrição (f. 54/57 - Cv).

É o relatório. Fundamento e decido.

A ação de usucapião ajuizada em 02.05.2000 (Autos nº 6294/2000) pela Perfil Agropecuária e Florestal Ltda, dentre outros documentos colacionados que mostra a cadeia possessória, apresentou uma certidão negativa de registro do imóvel objeto da presente dúvida emitida pelo próprio Cartório de Registro de Imóveis em 28.09.1999 (f. 17 - Cv), motivo pelo qual a Fazenda Pública da União, do Estado e do Município foram regularmente intimadas nos termos do art. 943 do CPC (f. 22/26 - Cv), com publicação de edital de citação no órgão oficial de eventuais interessados (f. 27, 29 e 31 - Cv), tendo as mesmas deixado passar o prazo legal in albis (f. 35 - Cv).
Ad argumentandum, equivocadamente foi mandado citar as fazendas públicas, como constou dos ofícios enviados por Aviso de Recebimento, pois em sendo ação de usucapião de terras particulares, deve ocorrer intimação como preceitua o art. 943 do CPC (“Serão intimados por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”), motivo pelo qual não há que se falar na ocorrência do fenômeno da revelia, visto que o mesmo só ocorre para quem figura no pólo passivo da demanda como parte, não tendo o Estado sido chamado à juízo para se defender, apenas para manifestar o seu interesse, o que, diga-se de passagem, deixou de fazê-lo ao quedar-se inerte no prazo legal.
Assim, foi facultado ao Estado manifestar-se no feito a tempo e modo, considerando-se que a juntada do “AR” de sua intimação se deu em 24.05.2000 (Autos nº 6294/00 - f. 25v. - Cv) e a Matrícula de nº 4105, fls. 125, Livro: 2-P do imóvel em questão, ocorreu em 15.06.2000 como sendo terras devolutas pertencentes ao Estado de Minas Gerais, não podendo a sua desídia tirar o crédito do regular processo judicial.
De qualquer forma, as questões processuais estão ultrapassadas diante do trânsito em julgado da sentença judicial (Autos nº 6294/00 - f. 46 - Cv) que ocasiona os efeitos constitucionais de imutabilidade da decisão, residindo o cerne da questão na correta ponderação de bens constitucionais da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF) e da vedação de serem adquiridos por usucapião os imóveis públicos (art. 183, § 3º, da CF), reclamando o feito uma análise inicial da natureza jurídica das terras devolutas pertencentes ao Estado, visto que a matrícula se deu nessa qualidade perante o Cartório de Registo de Imóveis da Comarca.
Sobre esse aspecto, leciona o saudoso Hely Lopes Meirelles quando ainda em vida (Direito Administrativo Brasileiro. 13a ed., São Paulo: RT, 1987, p. 453):


“Terras devolutas são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos pelos respectivos proprietários. Tal conceito nos foi dado pela Lei imperial 601, de 18.9.1850, e tem sido aceito uniformemente pelos civilistas. Essas terras, até a proclamação da República, pertenciam à Nação; pela Constituição de 1891 foram transferidas aos Estados-membros (art. 64) e alguns destes as traspassaram, em parte, aos municípios.”


Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo. 11a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 564) em sua habitual clara, objetiva e profunda lição administrativa, assinala:


“As terras devolutas constituem uma das espécies do gênero terras públicas, ao lado de tantas outras, como terrenos reservados, terrenos de marinha, terras dos índios, ilhas etc.
Elas integram a categoria de bens dominicais, precisamente pelo fato de não terem qualquer destinação pública. Isto significa que elas são disponíveis.”


Dessa forma, vemos que as terras devolutas integram os denominados bens patrimoniais da Administração Pública por poder dispor deles, diferentemente se fosse um bem de uso comum do povo ou bem de uso especial, ou seja, as terras devolutas são bens denominados dominiais ou dominicais por constituírem o patrimônio disponível da Administração, salvo na hipótese do § 5º do art. 225 da CF (“São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”), o que os equipara, somente nesta hipótese, aos bens de uso comum e de uso especial, todavia esse não é o caso concreto.
Em sendo assim, constata-se de plano que o interesse público no patrimônio disponível da Administração é secundário, enquanto é primário em se tratando da coisa julgada, direito-garantia que integra o rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição da Rep&