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Ação de Requerimento de Registro Civil de Pessoa Física

05/06/2008 02h24 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

Ação de Requerimento de Registro Civil de Pessoa Física
REGISTROS PÚBLICOS
Autor: A. A. P. T.

EMENTA:
Ação de Requerimento de Registro Civil de Pessoa Pedido julgado procedente



SENTENÇA:
Processo nº 2.764/01


Vistos etc.

A. I. B., qualificado nos autos, ajuizou AÇÃO EM QUE PLEITEIA O REGISTRO DO NASCIMENTO DO MENOR F. B. Argumentou que o referido menor chegou à cidade, junto com um colega também menor, sem qualquer documento de identificação, escondido numa carreta de coco, não se recordando de sua família, somente sabendo que nasceu em 24 de maio de 1984. Aduziu que tem a guarda do menor desde 30 de março de 1995, necessitando fazer o seu registro para que o mesmo possa, com segurança, passar a praticar os atos da vida civil.
Juntou os documentos de f. 04/06.
Como ato instrutório designou-se perícia, a qual foi realizada, consoante documento de f. 29, após o que o Ministério Público ofertou parecer favorável ao deferimento do pedido, f. 31/33.
Vieram-me os autos conclusos.

É o breve relato.
Decido.

No processo relativo à guarda de F., autos 914/95 em apenso, ficaram devidamente esclarecidas as circunstâncias da chegada do menor a esta cidade, não se conseguindo, apesar dos esforços, localizar a família do mesmo e tão pouco os seus documentos de identificação. Desta forma é que foi, naqueles autos, deferida, ao ora requerente, a guarda definitiva, respeitando-se o que disciplinam os artigos 33 usque 35 da Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Vários anos passaram-se e, em novas diligências, comprovadas nos autos nº 2.264/99 da ação guarda referente ao outro menor encontrado na companhia de F., conseguiu-se apurar a identidade daquele, mas não a deste. Infeliz ou felizmente, não se sabe ao certo.
Passados sete anos no exercício da guarda de F., Antonio Ivan Braga pretende agora efetivar o registro civil do menor, para que o mesmo comece a praticar formal e seguramente os atos da vida civil.
Indagar-se-ia de sua legitimidade para tal requerimento.
Em princípio poderia ser dito que o autor da ação deveria ser o menor, representado pelo guardião, o que demonstraria um equívoco formal na inicial, erro que sucumbe, entretanto, diante da importância da matéria, a qual retira a validade de qualquer formalismo, visto o processo não como um fim em si mesmo, mas como meio para conseguir segurança jurídica. Além do mais, seria impossível cumprir-se tal formalismo, uma vez que o menor, na verdade, não tem existência jurídica, exatamente por não possuir registro civil.
O artigo 33 da Lei 8.069/90, em seu § 2º, última parte, dispõe que pode ser deferido ao guardião o direito de representação do menor para a prática de atos determinados.
A decisão proferida nos autos da ação de guarda não mencionou os atos em que o guardião poderia representar o menor, circunstância que poderia gerar dúvidas sobre a regularidade formal do posicionamento de Antonio Ivan Braga na pólo ativo da ação em comento.
O princípio da instrumentalidade do processo, conforme já referido, impede, mais uma vez, que se apegue a tamanho formalismo diante, especialmente, da relevância do direito que se discute.
Ademais, a determinação da feitura do assento de nascimento é providência que deve acompanhar as medidas de proteção, conforme artigo 102 do ECA, as quais podem ser tomadas de ofício, por provocação do Ministério Público ou até mesmo de terceiro.

“A autoridade judiciária, agindo de ofício ou por provocação do Ministério Público ou de terceiro interessado, ao receber a comunicação de efetiva ameaça ou violação a direito fundamental de determinada criança ou adolescente, tem o dever de, além de adotar as medidas de proteção cabíveis, também providenciar a regularização do registro civil dessa criança ou adolescente”.

Feitos estes comentários, necessário definir a questão de fundo.
Conforme leciona José Luiz Alicke, o procedimento em feitos como este deve ter rito informal e sumaríssimo, com brevíssima instrução. Regular, portanto, este feito, no qual foi realizada a perícia para saber a idade do menor, aproveitando-se, no mais, o conteúdo probatório das ações cujos autos, 2764/01 e 2.264/99, encontram-se em apenso.
Efetivamente o pedido deve ser deferido, pois é absurda a situação do ser humano que não tem efetiva existência jurídica.

“A regularização do registro civil não significa apenas a mera obtenção de certidões de nascimento ou óbito, mas também, e principalmente, a decorrência natural do respeito aos fundamentos que constituem o próprio Estado Democrático de Direito, notadamente o respeito aos direitos à cidadania e à dignidade da pessoa humana (art. 1º da Carta Magna)” .

Para a prática dos atos da vida civil precisará ele utilizar-se de sua certidão de nascimento, sendo esta, portanto, documento indispensável à vida em sociedade. Especialmente agora que conta com dezoito anos de idade, o registro civil do menor será ainda mais necessário. Dentre tantas outras coisas, precisará obter a carteira de identidade; poderá ter interesse em obter a carteira de motorista; necessitará, ingressando no mercado de trabalho, da carteira de trabalho; se não hoje, talvez mais adiante desejará casar-se e formar família; e será obrigado a inscrever-se como eleitor. O que poderá fazer sem a sua certidão de nascimento? Nada. Será deixado à margem.
A personalidade civil do homem começa com o nascimento com vida, conforme artigo 4º do Código Civil. Para viver em sociedade, entretanto, de nada adiantará esta personalidade, reconhecida por lei, se não houver o registro de nascimento que, ademais, é ordenado pelo mesmo diploma legal em comento, no artigo 12, inciso I.
A F. não foi retirado o direito natural à vida, sendo-lhe conferido, pelo nascimento, automática e legalmente, a personalidade civil; mas a prática dos atos naturais de sua existência e do convívio em sociedade lhe é ou será tolhida pela falta do registro de nascimento. Não se vive, com personalidade, sem uma identidade individualizadora.

“É que, no campo do Direito, a análise da pessoa humana é realizada através de três ordens de considerações: direitos de existência (o homem, no sentido biológico do corpo humano e da vida humana, merece a proteção do Direito); direitos da personalidade (são as prerrogativas pertencentes a toda pessoa humana, pela sua própria condição, tais como liberdade, igualdade etc.); e direito à individualização (as pessoas têm direito à própria identidade física, distinguindo-se das demais mediante determinados sinais característicos, como, p. ex., o nome)” .

O pedido, portanto, diga-se, mais uma vez, deve ser deferido, devendo registrar-se com os dados que são conhecidos, fornecidos na inicial, quais sejam, o nome, o sexo, a cor, o local e a data de nascimento, sendo certo que esta última foi corroborada pela prova pericial colhida, a qual atestou, pela análise do desenvolvimento ósseo, que o menor está na faixa etária dos 17 anos.
Referido trabalho técnico-científico foi realizado por perito da confiança do Juízo, de maneira adequada, não havendo nada que possa retirar-lhe a credibilidade e jogar por terra as suas conclusões.
É fato que não constarão os nomes dos pais e dos avós de F., porquanto, apesar dos esforços, não se logrou êxito em apurar tais dados. Tal situação, entretanto, não impede a realização do registro, pois, se assim fosse, milhares de crianças que desconhecem os seus pais restariam fatalmente à margem da sociedade.
Ademais, em casos com o dos autos, a Lei privilegia o direito da criança e não o de seus genitores.
Ante o exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, DEFIRO O PEDIDO INICIAL para determinar que a Sra. Oficial do Registro Civil desta cidade e Comarca, faça o registro de F. B., de nacionaldiade brasileira, sexo masculino e cor negra, nascido aos vinte e quatro dias do mês de maio de 1984 em Salvador, Estado da Bahia, com desconhecidos parentescos paterno, materno e avoengo.
Feito isento de custas, nos termos do artigo