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AÇÃO ORDINARIA

05/06/2008 02h15 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

AÇÃO ORDINARIA
CONSTITUCIONAL
Autor: JOSE MARIA DOS REIS

EMENTA:
Alvará Judicial para Cirurgia Transgenital.
AÇÃO JULGADA PROCEDENTE

SENTENÇA:
Autos nº: 000223 01 075692-O
Natureza: Alvará Judicial para Cirurgia Transgenital


SENTENÇA

VISTOS ETC.

—1—

RELATÓRIO

W. V. F., devidamente qualificado na bem elaborada peça exordial, com base na Resolução 1482/97 do Conselho Federal de Medicina, ajuizou o presente pedido de autorização de cirurgia transgenital, aduzindo o que se ordena, de útil, a seguir:

“desde os 04 anos de idade, aproximadamente, começou a apresentar interesses voltados para o lado feminino e já na adolescência, acabou por perceber que, inobstante encontrar-se, fisicamente, preso dentro de um corpo masculino sempre se sentia como uma mulher e que, inclusive, atualmente, é conhecido pelo nome de Valquíria e vive em constante transtorno psicológico, portador de uma doença que o angustia, que é o transexualismo (CID F64.0)”.

Com a bem elaborado petição inicial, rica em informações doutrinárias e jurisprudências sobre o assunto, vieram os documentos de fls. 23/71, manifestando-se, após, de forma, extremamente, laboriosa, o ilustre e culto Dr. Marco Antônio Costa, Representante do Ministério Público, favoravelmente ao deferimento do pedido (fls.73/77).

Recebi os autos através do douto despacho do nobre colega, Dr. Aurelino Rocha Barbosa que entendeu por bem em usar do artigo 135, parágrafo único, do CPC e declinar da competência.

Eis, no essencial, o relatório.

TUDO VISTO E EXAMINADO, PASSO A DECIDIR.

II


MOTIVAÇÃO

O presente pedido envolve autorização para cirurgia transgenital em que o requerente justifica de forma substanciosa através do competente advogado Dr. W. R. S., a angústia por que vem passando em face da doença a que é portador, classificada no C1D F60.4, ou seja, para repetir a expressão usada na inicial, “uma Eva em corpo de Adão”.
As provas apresentadas pelo requerente são fortes no sentido de demonstrar que. realmente, está vivendo uma realidade bem diversa daquela que o seu corpo, fisicamente, lhe propõe. Não há como ignorar a angústia pela qual vem passando o requerente.

Ora, o assunto, apesar de já não ser nenhuma novidade no mundo jurídico, porquanto já se tornou matéria regulamentada junto ao Conselho Federal de Medicina através da Resolução 1482/97, em face de várias decisões a respeito, não deixa de trazer certa polêmica por causa da própria legislação penal vigente, como bem examinou o Dr. Promotor de Justiça. Todavia, a figura do sexo, por si só, deixou de ser considerada como elemento fisiológico de forma a se tornar, geneticamente imutável e uma nova visão surge, complexa, é bem verdade, mas com bases firmes, em que pese a falta de disposições legais expressas.

O Direito é uma ciência, essencialmente social, cultural e, portanto, passível de interpretação a todo instante diante da realidade. E a realidade que se vê no presente pedido, é que ninguém irá tirar do contexto de vida do autor, a vontade de ser mulher. Não se trata, simplesmente, de aspecto biológico, mas, a meu sentir, estrutural. Destarte, não seria razoável que fosse negado ao autor o direito de ser, efetivamente, o que é, sob pena, como bem interpretou o Dr. Wellington Pacheco Barros em seu voto lançado às fls. 15/16 pelo próprio autor, a própria justiça passar a aguçar conflitos e não resolvê-los.

A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º vem suprir defeito do sistema, quer seja por ausência de norma, quer seja, porque a existente já não é mais justa ou está em desuso com a realidade social. E dentro desse permissivo, num verdadeiro desenvolvimento aberto, o aplicador deverá adquirir consciência de modificar e experimentar, continuamente, a verdadeira vontade concreta da lei diante das relações da vida.

E não é só.

A mesma Lei, agora, em seu artigo 5º, busca direcionar que os homens sejam impelidos num ideal de justiça com a finalidade de dar-lhes felicidade. Daí é que surge o bem comum que nasce da realidade sociológica, ou seja, ele é liberdade, é paz, é segurança, e utilidade social, é solidariedade, é cooperação, é, acima de tudo, Justiça.

No presente caso, não seria justo e nem razoável compreender como alguns, que a pretendida cirurgia estaria a configurar um tipo penal e que ela não transformaria um homem numa mulher, porquanto a extirpação não teria condição de resultar em ovários, trompas, elasticidade e lubrificação vaginal. Seria muito cômoda, uma análise neste sentido, mas o pedido envolve uma reflexão muito mais profunda que deve aproximar-se da realidade social, psicológica, emocional, ou seja, do principio da adequação social, hoje, tão presente nas interpretações penais.
É assim que, também, compreendo a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para buscar em sua forma adequada e necessária, a autorização judicial para que a equipe médica possa, sem nenhum receio de estar cometendo algum ilícito penal, atender aos anseios do autor em busca da felicidade. Esta é a nossa expectativa!

Aliás, a farta documentação médica apresentada é a demonstração da realidade noticiada.

-III-

CONCLUSÃO

POSTO ISTO e pelo que consta dos autos, com base no bem elaborado trabalho apresentado pelo ilustre Advogado do autor, assim como no, não menos laborioso parecer do Representante do. Ministério Público, considerando os dispositivos constitucionais mencionados, a LICC e a Resolução 1482/97 do Conselho Federal de Medicina, defiro o pedido e autorizo a realização da cirurgia de transgenitalízação na pessoa de W. V. F., adequando o seu sexo anatômico ao seu sexo psicológico.

Por cautela, encaminhe ao Conselho Federal de Medicina a cópia da presente decisão a fim de que possa providenciar todo o acompanhamento necessário, nos termos da Resolução 1482/97.

Expeça-se o competente alvará independente de trânsito em julgado.

Sem custas.

Publique-se, de maneira a conservar o segredo de justiça, registre-se, intimem-se e cumpra-se.

Divinópolis, 13/12/01 12:00:42.


José Maria dos Reis

Juiz de Direito

(em substituição)