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AÇÃO ORDINÁRIA - PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL

05/06/2008 02h15 - Atualizado em 09/05/2018 15h27

AÇÃO ORDINÁRIA - PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL
CONSTITUCIONAL
Autor: ANTONIO BELASQUE FILHO

EMENTA:
Resumo: trata-se de um Pedido de expedição de Alvará autorizativo de doação de órgãos do próprio corpo para outra pessoa determinada.
Desfecho: Pedido julgado procedente, alvará expedido


SENTENÇA:
Proc. 0073 02 005388-7





“O ato de dar é a base para se estabelecer riqueza infinita na mais pura essência do espírito”.






Vistos, etc.






A. E. X. de A., qualificada na inicial, através de seu bastante procurador, requer expedição de alvará para autorizar a doação de órgão do próprio corpo, especificamente um “Rim”, indicando, como receptor, M. P. de A., qualificado na inicial. Juntou à inicial o termo de doação, um atestado passado por médico psiquiatra clínico através do qual, atesta que a autora está em condições psicológicas para tomar a decisão de doar um Rim. Parecer Ministerial de fls. 07/09 opinando contrariamente ao pedido ao argumento de que a autora não preencheu os requisitos da Lei 9437/97. Com vista à autora, esta manifestou-se às fls. 10/11, juntando os documentos de fls. 12/16. Suprida a falta apontada pelo i RMP às fls. 16 verso, os autos foram com vista novamente à RMP, que, agora, opina favoravelmente ao deferimento da pretensão da postulante. Vieram-me os autos conclusos.



É o relatório.


DECIDO.


Não há como negar que a mídia tem veiculado notícias dos abusos e da atividade criminosa de alguns inescrupulosos que atuam no transplante de órgãos, fazendo desta atividade criminosa verdadeiro meio de vida e comércio atroz, com aproveitamento da dor de quem necessita do órgão a ser transplantado e, na maioria das vezes, ludibriando o doador.


Mas, em que pese o respeito, a admiração que temos pela culta Dra. Promotora de Justiça, subscritora do parecer de fls. 07/09, não podemos concordar que o presente pedido tenha caráter de atividade criminosa de venda de órgãos, consoante consta do r. parecer de fls.


De fato, a requerente não tem qualquer ligação com o receptor. Mas, tal não é obstáculo ao deferimento do pedido inicial.(art.9º, da lei 9437/97).


Vale a pena relembrar o que o filósofo alemão Artur Schopenhauer, em sua obra, “O livre Arbítrio”, Editora Brasileira Ltda, escreveu nos séculos XVII e XVIII, sobre a liberdade:


“O conceito empírico de liberdade autoriza-nos a dizer: “Eu sou livre, desde que possa fazer aquilo que quero”; ...“Seja como for, o vocábulo livre significa o que não é necessário sob relação alguma, o que independe de toda razão suficiente. Pudesse semelhante atributo convir à vontade humana, indicaria isso que uma vontade individual, nas suas manifestações externas, não é determinada por nenhum motivo nem por razões de qualquer espécie, dado que, em caso contrário, a conseqüência resultante de determinada razão, seja essa da espécie que for, intervindo sempre segundo uma lei de necessidade absoluta, os seus atos não mais seriam livres mas sim constrangidos por necessidade. Era essa a base do pensamento de Kant quando definia a liberdade como “ o poder de começar por si mesmo uma série de modificações.” (...) “Todo homem apenas faz o que deseja e, portanto, age sempre de modo necessário. E a razão está no fato de que ele é já aquilo que quer: porque tudo o que ele faz decorre naturalmente do que é. Se considerarmos as suas ações de modo objetivo, isto é, exteriormente, deveremos reconhecer que, a parte de todo outro ser da natureza, são elas submetidas à mais rigorosa lei da causalidade: de modo objetivo, ao invés, cada um tem consciência de não fazer senão o que quer. Isso prova somente o seguinte: que essas ações são a expressão pura da sua essência individual. Não diversamente sentiria toda criatura, mesmo a mais íntima na escala orgânica, se fosse passível de sensibilidade”.


O caso dos autos faz-nos lembrar ainda passagens bíblicas envolvendo o Apóstolo Paulo, quando de sua ida à Galácia, estando enfermo (possivelmente dos olhos) sentiu e vivenciou a demonstração de voluntariedade da igreja em relação a seu estado de saúde que, se possível fosse, doaria os olhos para ele (Paulo).


O cristianismo bíblico sempre propõe a renúncia do homem em favor de sua consagração a Deus e em ajuda ao próximo. E a Bíblia fala disso praticamente do seu começo ao fim, como se pode ver na passagem de João 15:13.


VEJAMOS:


“Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”. (João 15:13).

Em Gálatas 4.14/15, encontramos:

“E não rejeitastes, nem desprezastes isso que era uma tentação na minha carne, antes me recebeste como um anjo de Deus, como Jesus Cristo mesmo. 15-Qual é, logo, a vossa bem- aventurança? Porque vos dou testemunho de que, se possível fora arrancaríeis os vossos olhos, e mos daríeis”.


Ainda em Gálatas 5.14 e 22:
“Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”...

“Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benegnidade, bondade, fé, mansidão, temperança”.


Deixando de lado a análise do comportamento do individuo, que se dispõe a doar órgãos, sob a ótica do pensamento bíblico, voltamos à realidade fática do caso dos autos.


O doador é o elemento indispensável, sem o qual não se encadeiam as ações que levam ao transplante.


Por isso, a sociedade através do legislador estabeleceu normas para a realização de transplantes.

Como leciona o Professor Doutor Henry de Holanda Campo, em artigo denominado “aumento do número de transplantes e da doação de órgãos e tecidos: processo de construção coletiva”:

“O transplante pode suscitar reações contraditórias, como fascínio e inquietação. O seu fascínio decorre da perspectiva de vida que ele proporciona a pessoas ameaçadas pela falência de um órgão ou tecido, da mobilização de uma grande cadeia de solidariedade que se forma com o apoio de tecnologistas inovadores”...Outro sentimento, que aflora com freqüência ao se falar em transplantes, é a justificada angústia daqueles que esperam por um órgão, conscientes de que a sua vida pode ser ceifada durante a espera. O atendimento a esse direito à vida, oportunidade ansiosamente aguardada por milhares de brasileiros, só poderá concretizar-se se tivermos a consciência de que faz-se necessária uma construção coletiva. Nesse mutirão permanente pela vida, cabe um papel a cada um de nós, a todos os segmentos da sociedade”.


A autora comprovou ter realizado os testes referidos no arts. 2º e 9º, da Lei 9434/97, especialmente o § 4º.


Os requisitos do art. 10, da citada lei também foram observados.

A RMP, após a manifestação de fls. 10/11 com os documentos de fls. 12/16, não se opôs ao deferimento do pedido.


Desnecessário registrar que o ato da autora se reveste de grande sentimento de nobreza e solidariedade humana.

Atualmente, ato como o da autora, para alguns, pode parecer um ato negociado às escondidas. Contudo, no caso, tal não ocorre.


É, pois, ato voluntário, nobre e humano, visando salvar a vida de um irmão. Tal ato está sendo praticado por pessoa absolutamente capaz e em perfeitas condições de entender a magnitude de seu gesto.


Isto Posto, defiro o pedido inicial para autorizar, como de fato autorizo A. E. X., que quando casada chamava-se A. E. X. de A., portadora da CI M-160.679 ( SSP MG) e CIC 668.606.796/20, residente na Av. Herbert de Souza 242, centro, Bocaiúva/MG, brasileira, separada judicialmente, comerciante, a doar órgão do p