Um acordo permitiu que a PEC do Trabalho Escravo fosse aprovada nesta quinta-feira (27) pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ). A proposta, que permite a expropriação de terras onde houver exploração de trabalhadores, ainda passará por votação no Plenário da Casa. O acordo em questão prevê a criação de uma comissão de deputados e senadores que irá analisar dois projetos: um para definir o que é trabalho escravo e outro para regulamentar os processos de desapropriação.
Relator da matéria, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) ressaltou que essas medidas são necessárias para que a PEC tenha chances de ser aprovada no Plenário do Senado sem ser alterada – ou seja, mantendo o texto aprovado no ano passado pela Câmara dos Deputados. Se houver mudanças, a proposta terá de retornar à Câmara, onde enfrentou a resistência dos parlamentares vinculados ao agronegócio e só foi aprovada depois de 11 anos de tramitação.
Segundo Aloysio Nunes, o acordo pode diminuir a resistência de quem afirma que, sem uma regulamentação, a PEC permitirá expropriações arbitrárias – que poderiam acontecer, por exemplo, mediante um simples ato administrativo de fiscais do trabalho ou de membros do Ministério Público do Trabalho. O senador Blairo Maggi (PR-MT) está entre os que apontam esse risco. Maggi disse que "ninguém em sã consciência apoia o trabalho escravo", mas também afirmou que, "da forma como está, a PEC vai criar uma conflagração no campo".
A comissão mista terá cerca de um mês para oferecer uma definição de trabalho escravo e uma regulamentação. Aloysio Nunes explicou que, pelo acordo, tanto essas definições como a própria PEC podem ser votadas ao mesmo tempo no Plenário do Senado.
Logo após Aloysio Nunes repetir que seu parecer não promove nenhuma alteração no texto justamente para que não volte à Câmara, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) declarou que, "infelizmente, alguém apresentará uma emenda com esse objetivo".
– Não se iluda! – advertiu Simon.
Na semana passada, Aloysio Nunes criticou um suposto acordo feito no ano passado – que envolveria o então líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves, hoje presidente daquela Casa – para que a matéria fosse alterada no Senado e, assim, retornasse à Câmara.
A PEC do Trabalho Escravo, que altera o artigo 243 da Constituição, determina que as propriedades rurais e urbanas onde forem descobertas a exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário.
Também determina a mesma punição se forem descobertas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Em seu parecer sobre a PEC, Aloysio Nunes ressalta que, “em diversos municípios, principalmente das regiões Norte e Nordeste, onde se situa grande área de cultivo de plantas psicotrópicas, milhares de jovens e trabalhadores rurais são arregimentados [inclusive por meio de sequestro] por quadrilhas do tráfico de drogas para trabalharem mais de dez horas por dia, em seis meses do ano, nessas plantações”.
Além disso, a proposta prevê que os bens de valor econômico apreendidos por causa da exploração de trabalho escravo serão confiscados e revertidos para um fundo especial.
Ao assinalar a importância da PEC, Aloysio Nunes destacou a estimativa do Ministério Público do Trabalho de que cerca de 20 mil pessoas vivem em condições equivalentes à escravidão no Brasil. Também menciona a informação do Ministério do Trabalho e Emprego de que, desde 1995, mais de 45 mil pessoas foram resgatadas dessas condições pelo governo. E conclui: “Apesar dos esforços no combate a toda forma de trabalho análogo à de escravo, os números revelam que essa prática ainda é muito comum no país”.
O senador lembra que o trabalho escravo não acontece somente na zona rural, mas também em áreas urbanas. Como exemplo, ele cita os casos de imigrantes sul-americanos que trabalham em condições insalubres e sem proteções trabalhistas em confecções na cidade de São Paulo ou os de asiáticos em condições semelhantes que trabalham com o comércio de produtos provenientes da China.
Conforme observa Aloysio Nunes, “são poucos os casos de condenação criminal da Justiça de pessoas que submetem outras à escravidão”. Por isso, argumenta, a aprovação dessa PEC “deverá ajudar o combate à impunidade que, juntamente com a ganância e a pobreza, alimentam a prática do trabalho escravo no Brasil”.
Parte dos críticos da PEC do Trabalho Escravo afirma que a proposta, sem uma regulamentação, permitirá expropriações arbitrárias assim que for promulgada. Blairo Maggi, por exemplo, assinalou que "existe uma discussão muito grande, no âmbito da legislação, sobre o que é efetivamente trabalho escravo ou análogo ao trabalho escravo".
– Existe uma linha muito tênue entre o que é uma coisa e o que é outra. Dependendo do fiscal que vai à sua propriedade, ele pode enquadrar ou não o produtor – pontuou.
Ao apontar essas dificuldades, Maggi, ele próprio produtor rural, citou a norma regulamentadora NR-31, muito criticada por representantes do agronegócio, como a senadora licenciada Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
– A NR-31 diz que a porta do alojamento tem que abrir para fora, mas ela abre para dentro – exemplificou.
Aloysio tem dito que os receios quanto à arbitrariedade na aplicação da PEC não têm fundamento, pois, segundo ele, não pode haver expropriação sem um processo legal e este, por sua vez, pressupõe a existência de uma regulamentação definida em lei.
– A PEC do Trabalho Escravo precisará de uma lei que diga como as expropriações serão feitas. A nova redação que a PEC dá ao artigo 243 da Constituição não é autoaplicável – reiterou.
Maggi até concordou com Aloysio Nunes, mas argumentou que "não se sabe como promotores e o Ministério Público do Trabalho vão se portar se a PEC for aprovada sem uma regulamentação". Maggi chegou a fazer um apelo para que a proposta não fosse aprovada pela CCJ nesta quinta-feira e, assim, houvesse mais discussões.
Foi por essa razão que Aloysio propôs a criação de uma comissão mista que trabalhasse paralelamente à tramitação da PEC. Conforme explica em seu parecer, fez essa sugestão “diante de tantas reservas externadas pelos líderes dos partidos representados na Câmara e que, muito provavelmente, encontrarão eco no Senado”. Mesmo o senador Pedro Taques (PDT-MT), outro defensor da PEC, afirmou que a regulamentação é necessária "para evitar insegurança jurídica".
Ao anunciar o acordo, o presidente da CCJ, senador Vital do Rêgo (PMDB-PR), informou que a comissão poderá ser criada já na próxima semana.
Fonte: Agência Senado