Refletindo sobre a morte, disse certa vez Jorge Luís Borges que com ela se vai "um rosto que não se repetirá jamais. Cada homem tem um rosto que é único; com ele morrem milhares de circunstâncias, milhares de lembranças; morrem lembranças da infância e morrem traços humanos, demasiado humanos". A despedida de alguns, todavia, atingem mais visceralmente toda a humanidade. É que alguns homens parecem ter sido criados para nos mostrar quão mais amplas são as nossas possibilidades de perfeição, de inteligência e de bondade. Adhemar Ferreira Maciel foi um desses homens.

Sua atuação profissional, familiar e social teve sempre a marca indelével da dedicação, do equilíbrio e da generosidade. Magistrado exemplar, fez da magistratura verdadeiro sacerdócio, vivendo e vivenciando intensamente as alegrias e agruras da carreira, em que pôde galgar todos os degraus: juiz federal de primeira instância, atuando em Goiás e em Minas Gerais; juiz (hoje o título seria desembargador) do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em todos os cargos, deixou estampados a vocação para o direito e seu amor à causa da justiça.

Seu profundo conhecimento e refinado gosto pelas artes, cinema e literatura convergiam para a formação integral do humanista, que se revelava nas decisões e textos jurídicos. Humanista de fato ele o era, no correto e bom sentido da palavra. Não dos que empunham sofisticados conceitos e ideias apenas como ornamentos retóricos. Ao contrário, fazia da preocupação com a face humana que se esconde em cada processo sua verdadeira missão. Assim, são notáveis as avançadas decisões no STJ em defesa das liberdades constitucionais, sobretudo em matéria penal.

Professor e escritor, brindou o direito público brasileiro com inúmeros artigos publicados em periódicos especializados e com o instigante livro Questões de direito público, em que demonstra, a um só tempo, a riqueza de seu conhecimento teórico e o profundo compromisso com o aprimoramento prático das instituições judiciárias nacionais. No prelo, encontra-se ainda obra que lhe custou mais de uma década de trabalho, que sairá em breve pela editora Del Rey. Versa sobre o direito constitucional norte-americano, paixão de toda a sua vida e do qual fora um dos estudiosos mais abalizados.

A brilhante trajetória profissional de Adhemar Maciel, porém, não é senão pálida projeção de sua grandeza humana. Congregava em si tantas virtudes que parecia às vezes um ser ideal. Aristóteles Atheniense bem o soube sintetizar ao dizer que "Adhemar Maciel é um homem sem defeitos". Uma das mais destacadas virtudes era a espontânea e nada pretensiosa modéstia, a que aliava profunda serenidade e firmeza de caráter. Tratava a todos com indistinta cortesia e sempre procurava ler os fatos e acontecimentos com uma pitada de humor. Não se fazia refém de cargos, títulos ou honrarias e procurava ver as pessoas, sempre e antes de tudo, como pessoas.

Por isso, apesar de tímido, fez verdadeira legião de amigos e admiradores que hoje choram sua partida. Muita falta nos farão sua sabedoria, generosidade e integridade. Todavia, a saudade que hoje nutre nossas lágrimas é também o caminho que lhe assegurará, entre nós, a permanência. Cultivemos a memória de Adhemar Ferreira Maciel para que as gerações vindouras possam conhecer a vida e a obra desse ser humano exemplar.

*O juiz Fernando Armando Ribeiro é corregedor do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais. O artigo foi publicado no Correio Brasiliense no dia 22 de dezembro de 2014. Clique abaixo para fazer o download do arquivo.