O artigo 133 da Constituição Federal diz que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Mas dentro dos "limites da lei". Só que essa imunidade das declarações feitas em autos processuais não é absoluta e, portanto, não pode amparar "excessos" narrativos.
Com esse entendimento a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou Apelação a um advogado condenado a indenizar um juiz em Osório. Antes, o colegiado aceitou a Apelação do magistrado para aumentar de R$ 15 mil para R$ 25 mil a indenização por dano moral, em função da "intensa reprovabilidade da conduta do advogado".
Por meio de representação à Corregedoria do TJ-RS, o advogado queixou-se de ato praticado pelo juiz num processo de execução fiscal, após o feito ter sido arquivado. Pelos mesmos fatos, ele teve condenação confirmada pelo TJ-RS na esfera criminal, pelos crimes de injúria e difamação.
"A ofensa irrogada [imputada] em juízo só estará agasalhada pela imunidade do advogado se as expressões empregadas configurarem crime de injúria e/ou difamação e seu conteúdo versar sobre o litígio. Nesse norte, as ofensas proferidas contra o magistrado não guardam pertinência com a discussão da causa, pois o atingem enquanto profissional, qualificado como desequilibrado, antiético, agressivo e ofensivo às partes e advogados", justificou na sentença a juíza Elisabete Maria Kirschke, da 2ª Vara Cível de Osório.
O relator dos recursos na corte, desembargador Miguel Ângelo da Silva, disse que o réu lançou mão da "Correição Parcial" com o único objetivo de macular a reputação do autor, para prejudicá-lo profissionalmente. "E assim agiu questionando na via administrativa provimento jurisdicional que, à toda evidência, desafiava impugnação mediante o recurso próprio, ou até mesmo pelo expedito remédio do Mandado de Segurança", complementou em seu voto.
Para Silva, o arquivamento da Correição Parcial não afasta a responsabilidade civil do advogado pelas expressões injuriosas e difamatórias lançadas nessa petição escrita, que encaminhou à Corregedoria, pois as ofensas atingiram o domínio público. Ou seja, chegaram ao conhecimento dos operadores do Direito que atuam na Comarca de Osório, onde o autor presta jurisdição e o réu advoga. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 17 de dezembro.
O caso
O advogado foi denunciado pelo Ministério Público por ter disparado ofensas contra o juiz Gilberto Pinto da Fontoura, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Osório, numa petição encaminhada à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No documento, datado de 6 de maio de 2011, o juiz foi acusado de ter agido de má-fé para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, incorrendo no delito previsto no artigo 319 do Código Penal – receber vantagem em função do cargo. ‘‘Ao despachar no processo telado, o Juiz procede como se Advogado fosse da parte interessada, de vez que nenhum pedido houve por parte do executado para que assim proce[de]sse’’, escreveu o advogado réu.
Na mesma data, em igual petição, também reclamou da forma ‘‘deseducada’’ do juiz em dois outros processos que tramitam na 1ª. e 2ª. Varas locais. Para o advogado, o juiz Fontoura apresenta postura incompatível com o exercício da Magistratura. ‘‘Não fala, berra suas palavras. Não pergunta, ofende e agride as partes e os advogados. Não se atém aos documentos e fatos dos autos. Diz que tem entendimento diverso que provém de sua ‘intuição’. O procedimento desequilibrado do referido magistrado é notório. Falta com os mais rudimentares procedimentos de urbanidade. Apresenta um comportamento próximo de pessoas paranoides’’, narra a petição.
Por fim, no terceiro fato criminoso apontado na denúncia do MP, na mesma data, o advogado classificou o juiz de ‘‘insano, desequilibrado e ignorante’’, no exercício da jurisdição. O trecho da petição revelador da ofensa: ‘‘Juiz que estava substituindo a titular da Vara busca processos arquivados e promove um ‘despacho’ equivalente a uma re-sentença. (…) O bizarro despacho fere a ética, o direito de posse do requerente. (…) Tudo por iniciativa própria do Juiz, sem qualquer provocação da parte. (…) O procedimento desequilibrado do referido Magistrado é notório’’. E foi mais longe: ‘‘assim nos parece, até atropelou a ética profissional, avançando sobre uma decisão já publicada por sua colega Magistrada”.
Condenação criminal
A juíza-substituta Fabiana Arenhart Lattuada, da Vara Criminal de Osório, julgou parcialmente procedente a denúncia do MP. Condenou o réu como incurso nas sanções previstas nos artigos 139, caput (difamação), e 140, caput (injúria), combinados com o artigo 141, incisos II (contra funcionário público) e III (por meio que facilita a sua divulgação), e artigo 70, caput (concurso formal de crimes num só ato) -- todos do Código Penal. Ele foi absolvido, no entanto, da imputação de calúnia.
As penas foram cominadas em 10 meses e 20 dias de detenção, no regime aberto, e ao pagamento de 100 dias-multa, fixada no mínimo legal. No entanto, por ser primário, a juíza substituiu a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, com mesma duração.
O réu apelou desta sentença-crime, mas a 2ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça manteve a condenação nos mesmos termos. ‘‘Efetivamente, o conjunto da prova coligida aos autos é bastante para firmar um juízo de condenação com relação aos delitos de injúria e difamação. Inviável, portanto, a absolvição pretendida pelo acusado, invocando a tese de insuficiência de provas’’, registrou, no acórdão, o desembargador-relator Jayme Piterman. Depois da decisão, o juiz ajuizou ação por danos morais, tendo como base os mesmos fatos.
Fonte: Conjur