Segundo juiz, lei é mais permissiva e se encaixa melhor aos novos tempos

Companheira, esposa, noivo, namorada, marido, \"namorido\". As diversas formas de união às vezes confundem o casal na hora de se apresentar para a comunidade. Abrir mão do casamento civil e religioso e passar a \"morar junto\" é um fenômeno cada vez mais comum na formação do núcleo familiar contemporâneo. Nesse caso, pela lei, não são cônjuges, mas companheiro e companheira.

O reconhecimento legal da união estável pressupõe uma convivência pública, contínua e estabelecida com objetivo de constituição de uma família. No entanto, a regulação veio tardiamente com a Constituição de 1988 que passou a reconhecer esse tipo de união. Mais tarde outras duas leis trouxeram novos avanços e definições. \"Antes de se disciplinar a união estável no Código Civil, duas leis foram criadas para se definir esse assunto. A primeira estabelecia entre outras coisas um tempo específico para se considerar a união. Depois, essa lei foi modificada por outra onde o tempo de permanência no mesmo teto deixou de existir. Hoje pode ter uma união estável no dia seguinte em que você se muda com alguém\", explicou o juiz da 6ª Vara de Família de Belo Horizonte, Pedro Aleixo Neto.

No que diz respeito às obrigações de cônjuges, reconhecidos civilmente como casados, e dos companheiros, a união estável acaba sendo mais permissiva nos critérios discriminados na lei. A começar pela exigência de que o casal more sob o mesmo teto quando são casados, o que não é obrigatório no caso da união estável.

No entanto, o dever de lealdade é exigido apenas aos companheiros e é substituído pela fidelidade na relação daqueles que assinam o papel no cartório. \"A lealdade, nesse caso, seria um termo menos rigoroso do que a fidelidade, onde a traição não é admitida. Se entre os companheiros for combinado um sistema de liberdades conjugais, ele é considerado leal e pode ser admitido\", esclarece o magistrado.

Uma exigência curiosa e da qual os casais partidários da união estável estão isentos é a consideração mútua. Embora esse conceito seja almejado pela maioria que partilha da vida a dois, o Código Civil mantém a consideração um dever apenas dos cônjuges. \"Suponhamos um casamento em que os dois vivam sob o mesmo teto. A pessoa não aparece em casa para um jantar e não dá satisfação para esposa ou marido. Logo, ela não teve consideração nenhuma pelo outro, então, infringiu um dever. Na (união) estável, isso não é exigido.\"

A escolha cada vez mais popular pela união estável, na opinião de Pedro Aleixo, deve-se à praticidade conquistada por esse tipo de alternativa. Defendida pelo magistrado como a \"melhor\" forma de iniciar uma família e menos burocrática, a união estável estaria conseguindo um maior índice de sucesso entre os companheiros em detrimento dos cônjuges.

\"Eu considero dez vezes melhor que o casamento. Dá trabalho para casar e para separar também. Tem imposto, tem burocracia por causa da papelada e sai caro. Hoje em dia, com a mudança dos tempos, eu diria que o casamento é uma opção pela tradição e não pela prática\", declara o juiz.

A experiência no dia a dia das dissoluções de casamento no fórum da capital traz uma realidade pessimista nas uniões de jovens casais. De acordo com os processos que entram diariamente na Vara de Família, a média de duração dos matrimônios dos marinheiros de primeira viagem não ultrapassa dois anos. Os dados referentes às separações de casais vivendo em união estável não são conclusivos.

Segundo o magistrado, o processo para uma separação na união estável é mais simples, principalmente se o casal tenha feito um contrato de separação de bens. \"Aí, você tem todas as vantagens com as liberdades da união e não tem a confusão do patrimônio. É a forma mais livre de união.\"

A dona de casa, Nézia Barnabé, 46, vive há 24 anos uma relação estável com o companheiro Nilton Ferreira, 48. Quando perguntada se já teve vontade de oficializar a união depois de tanto tempo, Nézia brinca: \"Ainda estou vendo se vai dar certo.\"

A opção de \"morar junto\" acabou acontecendo de repente, depois de ficar grávida do primeiro dos três filhos. Mesmo com a pressão da mãe para que se casasse, a dona de casa não sentiu vontade de realizar nenhum dos rituais da tradição.

\"Eu nunca fiz questão de casamento. Nós não usamos alianças, mas nos identificamos como marido e mulher. Ás vezes até esqueço que não sou casada\", conta. Sobre as expectativas que guarda em relação ao futuro dos filhos, Nézia parte do mesmo princípio de liberdade. \"Que sejam felizes apenas. O importante é ter amor e respeito na relação.\"


Deveres de companheiros e cônjuges



União Estável:

Fidelidade não é exigida

Lealdade é obrigatória

Podem viver em
casas separadas

Respeito é obrigatório

Assistência, guarda, sustento e educação dos filhos

Consideração não é obrigatória Casamento:

Fidelidade é obrigatória

O casal é obrigado a
morar junto

Respeito é obrigatório

Consideração é obrigatória

Assistência, guarda, sustento e educação dos filhos

Mútua assistência


Fonte: Jornal O Tempo, edição de 30/11/2008.