Além da estranheza causada pela decisão do Governo, mais tarde revista, em alterar o orçamento de outro Poder, autônomo e independente, provoca igual preocupação as manifestações de algumas lideranças partidárias segundo as quais a recomposição salarial do Judiciário seria impossível ou inviável e que, se aprovada, imporia corte nas áreas sociais. Tais declarações são impróprias e sustentadas em, pelo menos, dois equívocos.

O primeiro deles, de apelo conjuntural, refere-se às contas públicas à revisão solicitada. Nos últimos cinco anos, o índice de inflação oficial (IPCA) atingiu 30,732%, período no qual os subsídios da Magistratura receberam tão somente o reajuste de 8,88% (Lei nº 12.041/2009), registrando perdas inflacionárias, hoje, acumuladas em um total de 21,852%.

O Projeto de Lei nº 7.749/2010, que tramita no Congresso Nacional, não trata de aumento, mas sim de simples reposição, até dezembro de 2010, no percentual de 14,79%, com vigência a partir de janeiro deste ano e foco nas perdas inflacionárias impostas.

Enviado pelo Supremo Tribunal Federal ao Congresso, em agosto de 2010, esse projeto, até o presente momento, ainda não foi votado. Ao contrário de qualquer outra categoria profissional, do serviço público ou privado, os Membros do Judiciário não têm uma política remuneratória.

Causa ainda perplexidade o anúncio de altas cifras com o claro intuito de impactar a opinião pública. Não custa lembrar que o orçamento do Judiciário estava, e está, dentro dos limites Constitucionais, da Lei de Responsabilidade Fiscal e em plena consonância com a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

O segundo ponto, de ordem legal e constitucional, é que não se pode ignorar ou alterar a proposta orçamentária de outro Poder, com autonomia administrativa e financeira. Caso contrário, seria uma afronta a sua independência e deixaria o país a um passo do estado totalitário.

Fazer seu orçamento é uma prerrogativa do Judiciário. Cabe somente ao Congresso Nacional fazer, com independência, o juízo de valor sobre os projetos, promovendo as alterações que julgar necessárias e aprovando as leis do país, inclusive as de natureza orçamentária. Ao Executivo, resta o expediente constitucional do veto, porém, jamais poderia impedir o uso de uma prerrogativa constitucional de outro poder.

Temos mantido e iremos manter permanente diálogo com os Parlamentares e o Poder Executivo. Contudo, diante de um quadro sem horizontes e notada inquietação institucional, a AMB está articulando junto às associações aliadas um ato nacional em defesa da dignidade e pela valorização da Magistratura e do Ministério Público, no próximo de 21 de setembro, em Brasília.


Nelson Calandra
Presidente da AMB

Fonte: AMB