Reza a cartilha esportiva que em time que está ganhando não se mexe. Mas em Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, a já inovadora concepção das Apacs, Associações de Proteção e Assistência ao Condenado, vem recebendo um tratamento diferente, a começar pela sua localização, em pleno centro da cidade, por suas instalações, desprovidas de muros altos, celas ou grades. Além disso, a unidade também foi construída pelos próprios apaqueanos.

Inaugurada em setembro de 2008, a Apac de Ituiutaba atende 61 recuperandos, dos quais 21 obtiveram a progressão para o regime aberto e 40 seguem no semiaberto. Para serem conduzidos à Apac, os selecionados, oriundos do presídio local, devem ter bom comportamento e precisam ser aprovados por uma comissão técnica de especialistas (médicos, enfermeiros, psicólogos, carcereiros).

Os reeducandos, que dispõem do direito de dormir em casa e têm o compromisso de comparecer à unidade durante a semana, das 8 às 18 horas, desenvolvem atividades variadas sem fim lucrativo, como, por exemplo, o trabalho na horta comunitária e a fabricação de vasos de cimento. Nos finais de semana, eles cumprem prisão domiciliar. Dessa forma, a família também colabora com a recuperação do preso, incentivando sua mudança de vida.

Os apaqueanos do regime aberto deixam de frequentar a Apac, mas continuam em prisão domiciliar à noite e nos finais de semana, monitorados pela Polícia Militar. Eles ainda têm a obrigação de preencher uma folha de ponto que comprova que estão trabalhando.

Atualmente, o núcleo, presidido por Cláudio Scarparo da Silva, é apoiado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio do Projeto Novos Rumos na Execução Penal, pela Prefeitura de Ituiutaba, pelas Polícias Civil e Militar e por grupos religiosos. Professores voluntários de diversas áreas (educação, religião, psicologia, biologia etc.) também atuam junto à entidade.

Inclusão social e disciplina


A Apac é a menina dos olhos do juiz Marcos Vedovotto, da Vara Criminal de Ituiutaba. Para ele, todo magistrado precisa conhecer o sistema carcerário – apenas um dos possíveis desdobramentos das decisões tomadas no tribunal – a fim de ter consciência de sua responsabilidade: “Um juiz não deve apenas trabalhar condenando os presos, mas recuperá-los.”

Além da economia para os cofres públicos, uma das maiores vantagens das Apacs, ao reduzir, drasticamente, a reincidência, é a diminuição do número de processos criminais em andamento, meta que o Judiciário mineiro tem buscado atingir com os Juizados de Conciliação (órgão do Poder Judiciário que se dedica a amparar a população na solução de problemas e na promoção de acordos entre as partes) e outras medidas para agilizar o atendimento à sociedade. A experiência em Ituiutaba dispensou até mesmo os dormitórios e, devido ao seu horário de funcionamento, tem custos muito reduzidos em consumo de água e luz.

“Durante o interrogatório, procuro demonstrar para o réu que caso ele realmente tenha praticado o crime é melhor admitir, arrepender-se e mudar de vida. A Apac proporciona essa mudança”, explica o juiz.

Vedovotto corrige também a visão de que a Apac poderia levar à impunidade, destacando que o retorno ao convívio não é fácil. A caminhada, lenta e gradual, exige do apenado coragem e determinação para uma rotina de trabalho não-remunerado sob vigilância constante da sociedade e da família.

Em Ituiutaba, o maior desafio tem sido conquistar a confiança da população. Porém, medidas que promovem a integração, como a visita dos recuperandos ao Museu Antropológico de Ituiutaba, a horta comunitária e o mutirão para a reforma de carteiras escolares das escolas municipais, estreitam os laços entre a comunidade e os apaqueanos.

Ressignificando atos e homens

A Apac é um projeto que se caracteriza pela ressocialização e reintegração dos presos. Idealizado em 1972 pelo advogado Mário Ottoboni, em São José dos Campos, o projeto mira problemas crônicos do sistema prisional brasileiro, como a corrupção dos agentes penitenciários, a superlotação dos presídios, as condenações equivocadas, a violência e os abusos, as rebeliões, as altas taxas de reincidência.

Essa transformação fica clara quando se observam os pilares em que a metodologia se sustenta: transparência, liberdade, legitimidade. No próprio vocabulário, assim como no foco ético e religioso, patenteia-se a humanização de um processo que corre frequentemente o risco de se tornar impessoal e indiferente.

Condição essencial para a existência e o funcionamento da iniciativa é, portanto, a parceria entre o Estado e a sociedade civil, pois as Apacs se mantêm com a ativa cooperação dos presos, suas famílias, comunidade e de voluntários.

O trabalho permite não só a manutenção da dimensão punitiva do período na Apac como também o restabelecimento da autoestima e a integração do recuperando na estrutura produtiva. A realização de cursos profissionalizantes (panificação, marcenaria, cerâmica, construção civil) assegura possibilidades futuras de emprego e inserção social.

Fonte: TJMG