Com um ano e meio de funcionamento, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Lagoa da Prata é a prova de que o objetivo do Projeto Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), de incentivar a criação e consolidação dessas entidades no Estado, está sendo alcançado. Inaugurado em abril de 2008, o Centro de Reintegração Social da Apac de Lagoa da Prata conta com 91 recuperandos (53 no regime fechado, 25 no semiaberto e 13 no aberto). Sua construção foi executada graças ao empenho da comunidade, autoridades locais e ao convênio, na época inédito, em 2006, com a Secretaria de Estado de Defesa Social, parceira das Apacs. Nessa ocasião foram contempladas também as Apacs de Passos, Pouso Alegre e Paracatu.
Estrutura
Além do convênio de manutenção a cargo do Estado, que permite a contratação de 15 funcionários e contempla outras despesas, a Apac se mantém ainda com verbas de prestação pecuniária enviadas pelo Poder Judiciário local, recursos repassados mensalmente pela Prefeitura de Lagoa da Prata e promoções sociais. A participação da comunidade se dá através do trabalho voluntário. Atualmente, existem 30 voluntários que atuam nas áreas de família, educação, medicina, odontologia, psicologia, direito, alcoólatras e narcóticos anônimos, atividades profissionalizantes, valorização humana e espiritualidade.
A coordenadora da ação voluntária da Apac, Maria Luiza Alves, explica que uma de suas funções é introduzir o voluntário na casa, explicando a estrutura e rotinas da entidade, tentando envolvê-lo, ao máximo, com a metodologia. “Faço também um trabalho de acompanhamento com a família do recuperando, muitas vezes me desloco às residências. Há muitos recuperandos que quando chegam à Apac não têm sequer uma carteira de identidade, esclareço então aos familiares como providenciar o documento”, completa.
Na área educacional, existem atualmente 23 recuperandos cursando o ensino fundamental, através de professora cedida pela Prefeitura de Lagoa da Prata e mais duas voluntárias. Cumprindo fielmente a metodologia, todos recuperandos exercem atividades laborais variadas. No regime fechado, além da produção de artesanato, está em funcionamento uma oficina de confecção de fraldas. No semi-aberto, cinco recuperandos produzem bichos de pelúcia, sob supervisão de um instrutor da empresa que compra a produção. Um fábrica de blocos de concreto, vendidos para a comunidade local, contribui para a remuneração de 6 recuperandos. Na cozinha, que funciona de 6 às 18 horas, trabalham 4 recuperandos Expansão das atividades profissionais é a palavra de ordem na casa. Em parceria com indústria de álcool e açúcar, sediada em Lagoa da Prata, a padaria da Apac, que funciona para consumo interno, está se ampliando e fornecerá 2.500 lanches para os funcionários da empresa parceira e também para a prefeitura, que vai comprar da entidade 1.500 pães.
Já no regime aberto, a Apac não se descuida do foco da inserção social. Todos os 13 recuperandos desse regime estão empregados em empresas e comércio da região. Para completar o ciclo, o trabalho também é fiscalizado pela Apac quando o recuperando obtém o livramento condicional.
Gestão
Aprofundar o método e melhorar a gestão da casa. Com esse objetivo, toda quarta-feira, na parte da manhã, é realizada reunião com a presença do juiz, promotor, direção, funcionários e voluntários da Apac. O Conselho de Sinceridade e Solidariedade, formado pelos próprios recuperandos, para resolver problemas de segurança e disciplina, funciona nos três regimes de cumprimento da pena e contribui também para aperfeiçoar a gestão da Apac. Para garantir uma execução penal efetiva e ágil, as audências de benefícios e incidentes dos recuperandos são realizadas pelo magistrado na própria Apac
Essas rotinas foram estabelecidas pelo então juiz da Execução Penal da comarca, Luiz Carlos Rezende e Santos, que acompanhou todo o processo de implantação da Apac, e atualmente é coordenador-executivo do Projeto Novos Rumos na Execução Penal . O magistrado ressalta a importância de o juiz estar presente periodicamente no estabelecimento prisional. Luiz Carlos esclarece que “todos os condenados de comarcas onde existem Apacs, independente do tempo de condenação e do crime que tenham cometido, tem oportunidade de ir para a entidade, desde que tenham interesse na metodologia apaqueana e vontade de se recuperar.”
Disciplina rígida
À primeira vista pode soar estranho, uma prisão onde os presos possuem as chaves das celas e são responsáveis pela própria segurança. Mas por trás dessa façanha há uma disciplina rígida estabelecida pelo método apaqueano. O recuperando Paulo Sérgio Valentim, condenado a 6 anos por roubo, sentiu na própria pele esse rigor. Paulo Sérgio se mostrou disposto a ir para a Apac, já que tinha vontade de se recuperar, livrando-se da dependência química. “Aqui na Apac tenho suporte dos grupos de narcóticos e alcoólicos anônimos e cumpro minha pena com dignidade”. Entretanto confessa que não tinha consciência suficiente da rigidez das normas disciplinares da Apac. “Já tinha obtido minha progressão para o regime semiaberto e na minha terceira saída autorizada regressei à Apac fora do horário determinado. Por essa falta cometida, fui regredido, por dez meses, para o regime fechado”, relata. Apesar de ficar abalado com a decisão do juiz, Valentim chegou à conclusão “que para estar preparado para a ressocialização, precisa-se da disciplina que é imposta na Apac.”
Exemplo de dedicação
Para o funcionamento eficiente de uma Apac é necessário estabelecer uma rede de colaboração, com suporte, em nível estadual, dos Poderes Executivo, Judiciário, Legislativo e organizações do terceiro setor. O envolvimento das autoridades locais, a participação da comunidade, através da direção da casa, dos voluntários e funcionários, dos próprios recuperandos, empresas, instituições religiosas e de ensino e outras entidades são vitais para a manutenção dessa rede. Mário Ottoboni, criador do método, sempre declara “a Apac irá perdurar enquanto não tiver donos, já que é uma obra de Deus”.
Todavia vale a pena falar brevemente de um dos componentes dessa rede. No caso de Lagoa da Prata, a presidente da Diretoria-Executiva da Apac, Ângela Aparecida da Costa. Integrante da Pastoral Carcerária, proprietária de um restaurante na cidade, ela está presente todos os dias na unidade, voluntariamente e sem qualquer retorno financeiro. Na época da construção do Centro de Reintegração Social, o então juiz da Execução Penal, Luiz Carlos Rezende e Santos, pediu a ela a colaboração dos presos da cadeia pública na edificação do prédio. Angela diz que após conclusão do prédio, tornou-se presidente da Apac. “Confesso não ter estudo, mas tinha amor pela causa, me inteirei sobre o método, participando inclusive do curso de gestores, promovido pelo Tribunal de Justiça e Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados.” Angela relata que quando entrou na Apac, recém-inaugurada, existiam somente três colchões, uma geladeira e um fogão. “Com uma semana de trabalho e doações foi possível equipar todas as dependências.” Incansável, a presidente vai pessoalmente, três vezes por semana, pegar verduras e legumes doados por um supermercado de Lagoa da Prata. “Minha vida é a Apac, quando aparecem dificuldades peço a Deus para me dar mais amor e continuo minha caminhada. No final compensa, constatando a recuperação do condenado. Entendo que toda comarca tinha que ter uma Apac, finaliza”.
Fonte: TJMG