Uma sala com cadeiras coloridas, mesas com computadores conectados em plataformas de ensino a distância e uma grande televisão com recursos multimídia. Alguns jovens, concentrados em seus estudos, leem nas telas conteúdos diversos – gestão, marketing, empreendedorismo, teorias econômicas. A cena é típica de um espaço de ensino qualquer, mas desenrola-se dentro da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Nova Lima.


Em frente a um dos computadores, está Vinícius Atanásio, de 34 anos, que cumpre pena na unidade há dois anos e meio, depois de passar um tempo no sistema prisional comum. Estudante do curso superior de administração em turismo, Vinícius não o escolheu por acaso: “Ainda tenho uma longa pena a cumprir, então optei por algo que me permitisse viajar, ampliar meus horizontes e conhecer outros mundos e línguas, sem sair daqui. O curso me faz sentir mais livre”, revela.


Vinícius possui o perfil típico de muitos detentos do País. Abandonou a escola ainda na adolescência e, quando foi preso, não concluíra sequer o ensino médio. Foi no Presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, que ele retomou os estudos. Cursar o ensino superior, contudo, era algo que estava muito além de seus sonhos. “Pra mim, sempre foi uma utopia. Eu achava que universidade só estava ao alcance de quem tinha muito dinheiro, e não de alguém como eu, que nasci e cresci em favela”, lembra.


Mas, no meio do caminho, não havia uma pedra. Havia uma Apac, onde se abriu para ele a possibilidade de se graduar. A educação já se vislumbrava para ele como a saída possível para não voltar ao mundo do crime. “Sofri muito na cadeia e sempre pensava: o que fazer para melhorar a minha vida? Seria por meio da educação? Eu era carente disso, nunca tive acesso a livros. Decidi tornar o tempo na cadeia produtivo e estudar”, conta.


Concluído o ensino médio, Vinícius fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, por meio do Programa Universidade Para Todos (Prouni), conquistou uma bolsa de estudos na Faculdade de Estudos Administrativos de Minas Gerais (Fead). Na Apac de Nova Lima, ele afirma dispor de todas as condições materiais e emocionais para um dia ter em mãos o almejado diploma. “A Apac está me dando uma oportunidade que não tive lá fora. Hoje, faço faculdade, estudo inglês e espanhol e sonho um dia administrar a minha própria pousada ou uma agência de turismo; quero empreender”, diz.

Universidade aberta


Eis a transformação que as Apacs buscam: o nascimento e o fortalecimento da fé no futuro, o cultivo de novos sonhos, distantes do mundo do crime, e a possibilidade concreta de o egresso do sistema prisional se inserir novamente na sociedade, com dignidade. Inovadoras sob vários aspectos, as apostas das Apacs incluem a educação como fator de ressocialização.


Com essa convicção foi inaugurada, na unidade masculina da Apac de Nova Lima, em 30 de junho último, a Universidade Aberta Integrada (Uaitec). Primeira universidade dentro de uma prisão em Minas, a Uaitec oferece cursos profissionalizantes e de graduação e pós-graduação, e é resultado de um convênio entre a unidade e a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, que doou os equipamentos.


São 170m² de área construída pelas mãos dos próprios recuperandos, que, na Apac, precisam estudar e trabalhar. O espaço está dividido em dois auditórios de arena, uma sala de ensino a distância e outras instalações administrativas. Sandra Tibo, presidente da unidade, explica que, por meio da Uaitec, são oferecidos mais de 90 cursos profissionalizantes.


No momento, ainda não há recuperandos cursando o ensino superior por meio da Uaitec, na Apac de Nova Lima, mas a presença da universidade ali descortina um horizonte de novas possibilidades para os reeducandos que tentam concluir o ensino fundamental e o ensino médio na unidade. Os seis jovens da Apac de Nova Lima que atualmente cursam o ensino superior a distância estão matriculados na Fead.


Rafael do Carmo, de 26 anos, atualmente no terceiro período de administração, só havia completado, antes de ser preso, a sétima série do ensino fundamental. Agora planeja, quando estiver fora dos muros da Apac, retomar o sonho interrompido com a prisão. “Eu havia acabado de montar uma loja de autopeças quando fui preso. Vou sair daqui formado em administração e vou reabrir o negócio. O lado bom de eu ter sido preso foi ter podido voltar a estudar, o que eu não faria se estivesse livre. Jamais imaginei que preso eu teria a chance de fazer faculdade”, afirma.


Coordenador executivo do programa Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o desembargador José Antônio Braga avalia que a oportunidade que é concedida ao jovem que se recupera através da Apac “é ímpar”. “Além da elevação da autoestima de uma pessoa encarcerada, que se encontra na via lateral de uma vida, para não dizer em uma via marginal de caminhos, a oportunidade de concluir o curso fundamental e, a seguir, frequentar um curso de graduação, é a forma de demonstrar que a ressocialização do apenado passa, necessariamente, pela vontade de pessoas na recuperação de jovens”, declara.

Valorização humana


Entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, as Apacs se dedicam à recuperação e à reinserção social dos condenados a penas privativas de liberdade. Seu trabalho baseia-se em um método de valorização humana que é calcado em 12 elementos e busca, em uma perspectiva mais ampla, a proteção da sociedade e a promoção da justiça.


Além de procurar garantir os direitos dos presos, na base de todo o trabalho permanece uma questão: uma vez que o detento irá um dia retornar à sociedade, como queremos que ele volte? Ao investir na recuperação dos presos, as Apacs revelam uma das crenças que ancoram seu trabalho: a ideia de que “todo homem é maior que seu erro”, e que o preso pode deixar o cárcere melhor do que entrou.


Entrevistando Vinícius, que mostra uma enorme vontade de construir para si um novo destino e de se transformar em um homem melhor, a reportagem do TJMG se lembra de Fiódor Dostoiévski. Quando foi sentenciado à prisão na Sibéria, onde cumpriria trabalhos forçados por causa de atividades consideradas subversivas, o escritor russo escreveu ao irmão: “Não estou triste nem abatido. A gente vive em qualquer lugar; a vida está cá dentro, e não lá fora”.


O jovem ouve a frase e sorri; sonha com dias melhores e alimenta-se, no dia a dia, do poder transformador da educação. A vida lá fora ele não pode vivenciar ainda, mas o seu interior encontra-se em franco processo de evolução.

Matéria publicada originalmente no TJMG Informativo de agosto. Para ver a íntegra da edição, clique aqui.

Fonte: TJMG