Apac Muda Educação em Minas (Amem). “Essa sigla pode ser uma pretensão, mas também pode ser um sonho e vir a ser uma realidade”, disparou a diretora da Brisa Consultoria, Ayrde da Luz Siqueira Alves de Assis, na abertura do curso de capacitação e implantação do método de leitura e escrita “Aprendizagem e Promoção Humana”, realizada em 14 de março, na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Santa Luzia. Para ela, o bem-sucedido projeto de alfabetização dos recuperandos pelos próprios recuperandos e voluntários, devidamente preparados, pode significar uma revolução no ensino não só nas Apacs, mas se estender para as demais esferas da sociedade.
Foram quatro dias de intensa programação, com apostilas e CDs com o material didático do professor e do aluno. O curso termina hoje e preparou um grupo de 50 voluntários e recuperandos que vão dar aulas para os recuperandos nas APACs onde atuam.
A coordenadora do programa Novos Rumos, desembargadora Jane Ribeiro Silva, fez questão de saudar especialmente as mulheres, lembrando que, desde que temos uma mulher à frente da Presidência do Brasil, todo protocolo deve conter a saudação específica para as mulheres. Depois, ela lembrou que Mário Ottoboni e os demais responsáveis pelo método Apac são instrumentos nas mãos de Deus, pois “a Apac é um projeto de Deus e é preciso deixar o DNA de Deus atuar em nossas vidas”.
Jane Silva ressaltou ainda que “não há promoção humana sem a alfabetização e que Deus tem se valido da Brisa para refrescar o sonho do TJ de um dia, no Brasil, toda prisão vir a ser somente a perda dos direitos políticos e da liberdade e jamais da dignidade”.
Para o juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, não se pode abrir mão da integração e participação, pois uma Apac não se faz sozinha. Lembrando os versos de Adélia Prado, que diz que, em certas manhãs, ela via a pedra e só podia dizer “é pedra”; ele, o juiz, diz: “ao chegar a uma Apac, além das pedras, vejo amor, vejo gente”.
O presidente da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, Valdeci Antônio Ferreira, adiantou que um documento está sendo preparado pela Comissão Latino-Americana e será entregue a órgãos do Poder Executivo pela Prison Fellowship International. “Há dados demonstrativos para convencer não só da possibilidade de sucesso do método Apac, mas da viabilidade de sua aplicação em todos os países da América Latina.”
Valdeci Ferreira defende a realização de cursos desse tipo e afirma que, ao acompanhar-se a trajetória dos recuperandos, verifica-se que “aqueles que melhor se reintegraram à sociedade são os que passaram pelo processo educacional”.
Vida e emoção
Um dos pontos altos da cerimônia foi o depoimento emocionado do ex-recuperando Jaime Alves de Araújo: “Eu queria uma mudança em minha vida, e a Apac veio até mim. Vi ali a mão de Deus a me ajudar”.
Ele contou um resumo de sua longa trajetória de tristezas e decepções pela prisão, até chegar à Apac, onde viu resgatada sua auto-estima e foi tratado como um ser humano e não apenas um número. Ele lutou para voltar à vida lícita na sociedade, e uma das ajudas foi o curso que fez na Apac. Ele foi aluno, depois professor; fez as provas necessárias para obtenção dos diplomas dos ensinos fundamental e médio e hoje é um candidato à universidade.
Envolvimento e dedicação
A professora aposentada Sandra Maria Patente é instrutora da Brisa Consultoria, participou do curso para conhecer o projeto e já deu a entender que vai abraçá-lo. “Sou voluntária há mais de dez anos, sinto-me gratificada quando vejo que um trabalho desse tipo resulta em benefícios para a sociedade, principalmente para a população carcerária, tão carente de tudo.”
José Carvalho Oliva, educador social da Apac de Januária, já participou de quatro cursos na Apac e sabe que poderá ajudar “os meninos”, como costuma chamá-los, mesmo aqueles que poderiam ser seus avôs. “Sei que poderei fazer diferença na vida deles, ajudando-os na escrita, na ortografia, na alfabetização.”
Lúcia Pereira dos Santos é voluntária na Apac de Pirapora e reconhece que a realidade de uma Apac é diferente da realidade de uma sala de aula normal: “precisamos preparar as aulas levando em conta essa diferença. Devemos aproveitar bem a motivação, pois muitos não tiveram oportunidades de estudar em outras épocas de suas vidas e demonstram grande interesse”.
O recuperando da Apac de Pouso Alegre Bruno Kiyshi da Silva diz que a ideia é aprender para ser multiplicador. “É preciso técnica, além da boa vontade de ensinar. É preciso método, a exemplo de Paulo Freire, um dos educadores abordados no curso”, afirma.
“Quero sugar o que eu puder aqui para repassar para os meus colegas lá na Apac”, diz entusiasmado o recuperando da Apac de Pirapora Bruno Vargas de Araújo. “Lá temos uns 15 que não têm qualquer instrução, não sabem ler nem escrever, então vou ser importante na alfabetização deles”, destaca.
Lembrança de quem sou
Uma fábula contada pela vice-presidente da Apac de Santa Luzia levou todos à reflexão: “Em Canção do Mundo Novo, conta-se que, quando uma mulher da tribo ficava grávida, ela se reunia com outras mulheres em uma tenda para comporem juntas uma canção para aquele novo bebê.
Essa canção o acompanhava por toda a vida, em seus momentos importantes e até mesmo quando cometia algum ato de desamor. O objetivo era lembrar-lhe quem ele era. E é isso também que estamos fazendo aqui, lembrando a estes recuperandos quem eles são e que eles podem voltar para casa”.
O presidente da Apac de Santa Luzia, Flávio Lúcio Batista, espera dar continuidade ao trabalho iniciado em 2008 e retomado agora em 2011: “Este sistema de preparar multiplicadores faz com que as pessoas ajudem umas às outras. E o trabalho feito com pessoas que têm as mesmas características, que pertencem ao mesmo meio, tem mais legitimidade”.
Fonte: TJMG