É que algumas súmulas vinculantes foram editadas diretamente pelo Plenário da corte, sem que o enunciado passasse antes pela análise dos três ministros integrantes da Comissão de Jurisprudência do STF.
Durante recente sessão plenária, o ministro Marco Aurélio reclamou desse procedimento. Para ele, é essencial um parecer individual de cada membro da comissão sobre a valia do verbete antes de ele ser aprovado pelo Plenário e entrar em vigor. O ministro já avisou: se esse procedimento for desrespeitado, ele vai votar contra a aprovação da súmula, ainda que, no mérito, seja a favor.
“Estamos editando súmulas vinculantes no calor das discussões. Mas só se progride quando se marcha com segurança”, declarou Marco Aurélio à Consultor Jurídico. “O verbete é algo que tem contornos definitivos. Quando o Supremo bate o martelo, não se tem a quem recorrer. Pode ser revisto, mas a história já mostrou que é difícil rever verbetes.”
Segundo o ministro, não há qualquer enunciado que precise ser aprovado às pressas sem passar pela Comissão de Jurisprudência. Os 10 dias que leva, em média, para o verbete passar pela comissão e ser votado pelo Plenário valem à pena, ainda mais porque são assuntos que estão há anos esperando por uma resposta da Justiça, considera Marco Aurélio. Para ele, a ministra Ellen Gracie, presidente da Comissão de Jurisprudência, é ágil e vai dar conta do trabalho.
A opinião do ministro Marco Aurélio não é compartilhada pela ministra. Para Ellen Gracie, o Plenário absorve a competência de todas as comissões do tribunal. Portanto, pode sim pular essa etapa do processo de criação de
Súmula Vinculante.
Gilmar Mendes pensa como ela. O presidente do Supremo disse para a ConJur que a análise do enunciado pela Comissão de Jurisprudência é o ideal porque leva a uma reflexão muito maior do tema. No entanto, haverá casos em que é preciso ser rápido e editar a súmula logo depois da sessão de julgamento. “Não podemos fazer com que todas passem pela comissão antes da aprovação só como parte de um rito burocrático”, afirmou. “Havia certa inércia na elaboração de súmulas. Já quebramos com isso e estamos trabalhando num processo virtual para agilizar a aprovação.”
Ao lado do instituto da Repercussão Geral, a Súmula Vinculante é uma das principais apostas do Supremo Tribunal Federal para frear o crescimento da pauta, dar rapidez ao julgamento dos recursos e permitir que os ministros se dediquem a questões que não sejam meras repetições do que já foi decidido e pacificado. Todo o Judiciário e a administração pública devem seguir os seus enunciados. Qualquer decisão contrária pode ser transformada em Reclamação, protocolada diretamente no Supremo Tribunal Federal.
Polêmica pacífica
A proibição do uso de algemas, assunto da Súmula Vinculante 11, é um dos temas mais polêmicos pacificados pelo Supremo. Para os ministros, o uso de algemas viola o princípio constitucional da dignidade humana e, por isso, elas só devem ser empregadas em casos excepcionais. O ministro Marco Aurélio chegou à sessão plenária do dia 13 de agosto com a proposta do enunciado pronta. O texto apresentado pelo ministro era: “O uso abusivo de algemas encerra ilegalidade e implica na insubsistência do ato praticado”.
Depois do julgamento do recurso, acalorados debates e três versões para a nova súmula, o texto final é este: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.
Nesses dois meses, mais de seis pedidos de revisão da Súmula Vinculante 11 chegaram ao Supremo, principalmente por parte de policiais. Alguns argumentam a falta de precedentes para que a decisão já se transformasse em Súmula Vinculante.
De fato, não existem precedentes específicos sobre a responsabilização do Estado nos casos de uso de algemas sem que haja resistência, receio de fuga ou perigo à integridade física dos policiais e testemunhas. No entanto, os ministros se apoiaram em precedentes relacionados a direitos fundamentais.
A Súmula Vinculante 4, que proíbe o uso do salário mínimo como indexador da base de cálculo de adicional de insalubridade de servidor público e trabalhador da iniciativa privada, também está causando confusão, só que na Justiça do Trabalho. Existem muitas leis em vigor que vinculam o salário de determinadas classes de trabalhadores ao salário mínimo, apesar de o inciso IV, do artigo 7, da Constituição Federal proibir esse tipo de vinculação.
Depois da edição da súmula pelo Supremo, o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação de sua Súmula 228, que trata sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade. O enunciado passou a ser o seguinte: “A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo”.
O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, em três oportunidades suspendeu a eficácia da súmula do TST porque entendeu que “a nova redação estabelecida para a Súmula 228/TST revela aplicação indevida da Súmula Vinculante 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa”.
Outra Súmula Vinculante que tem gerado polêmica é a de número 13, que proíbe o nepotismo em todos os poderes da República. Na terça-feira (14/10), o Senado encontrou uma forma de flexibilizar a aplicação do enunciado. A Mesa Diretora decidiu que os parentes de senadores nomeados para cargos em comissão no Senado antes da posse do parlamentar não são atingidos pela Súmula Vinculante. O estudo que resultou nesta interpretação foi feito pelo advogado-geral do Senado, Alberto Cascais.
A interpretação do enunciado foi entendida como uma forma de burla à decisão do Supremo. Na quarta-feira (15/10), o presidente da casa, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), encaminhou uma consulta à Procuradoria-Geral da República para saber se a interpretação está ou não de acordo com o que os ministros da suprema corte entenderam.
No Senado, desde a aprovação da súmula em agosto, 36 parentes foram exonerados por 19 dos 81 senadores, de acordo com dados do G1. Ao todo, 56 senadores comunicaram à presidência da casa que não empregam parentes.
Fonte: Conjur