Walter Zwicker Esbaille Júnior*
O Tribunal do Júri, composto por um juiz de Direito (presidente) e 7 juízes do fato (leigos, jurados), sorteados ao início da sessão de julgamento, dentre 25 cidadãos maiores de 18 anos e notória idoneidade, também previamente sorteados, teve sua competência fixada pela Constituição da República, de 1988; a qual estatuiu: julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
A regra encontrou eco no art. 74, par. 1º, do Código de Processo Penal, pelo qual a competência abarcou os delitos tentados e consumados. Os artigos 76 a 82, do mesmo código, estenderam a competência do Júri para julgamento dos crimes conexos ou continentes aos dolosos contra a vida.
Dolosos são os crimes praticados com consciência e vontade dirigidas à obtenção do resultado (direto); ou ainda, a conduta cometida com consciência e vontade, na qual o agente, apesar de não querer o resultado, não se importa com que ele venha a acontecer (eventual).
No caso específico em análise, consumados são os delitos em que se obtém o resultado naturalístico; e, tentados, os que, embora o agente tenha esgotado os meios de execução ao seu dispor, o resultado não ocorre por circunstâncias alheias a sua vontade.
Os crimes de sangue foram taxativamente previstos no Título I, Capítulo I, da Parte Especial, do Código Penal. Ainda que ocorra o resultado morte em outro tipo penal; como no latrocínio, por exemplo, ele não será apreciado pelo Conselho de Sentença, salvo se conexo ou continente com o delito contra a vida.
Os conceitos de conexão e continência, apesar de úteis, por demais amplos, ultrapassam a extensão do trabalho, razão por que me escuso por deixar de consigná-los.
O que releva, aqui, é pontuar que a competência do Júri é material ou em razão da natureza da infração; logo, de natureza absoluta; vale dizer, não pode ser derrogada por vontade das partes ou do Judiciário.
Sua irregularidade pode ser suscitada a qualquer momento e não oportuniza o aproveitamento dos atos processuais até então praticados, acarretando a anulação do feito desde o início; inaplicável, pois, o artigo 567, do Código de Processo Penal, atinente à incompetência territorial; esta, de natureza relativa.
Daí decorre a importância de se observar estritamente os limites legais do órgão jurisdicional, de modo a que somente seja objeto de julgamento a matéria estabelecida em lei.
Dessarte, na prática forense, é comum, principalmente em casos de homicídio, a defesa buscar, nos debates, a desclassificação para crime culposo (imprópria) ou lesões corporais seguidas de morte (própria).
No primeiro caso, como forma de esclarecer o ponto de vista aos jurados, há explanação sobre o tipo de conduta culposa, se praticada por imprudência, imperícia ou negligência. No segundo, a argumentação busca deslocar o dolo, da vontade de matar, para a vontade de vulnerar a integridade física, sem assunção do risco do evento letal.
Incumbe, pois, ao Juiz Presidente, a formulação dos quesitos correspondentes, a serem apreciados pelo Conselho de Sentença.
Até a presente data, apesar de não haver notado discrepância no que tange à desclassificação própria, não raras vezes, nos casos da imprópria, as partes requerem que a redação do quesito seja a seguinte: O réu (nome) agiu com (imprudência, imperícia ou negligência), porquanto (descrição da conduta do acusado)?
Com a devida vênia, se se admitirmos fosse adotado tal enunciado, independentemente do resultado da votação, o Conselho de Sentença julgaria um crime para o qual não tem competência, haja vista que apreciaria uma modalidade culposa de delito; o que, à evidência, poderia acarretar a anulação da sessão de julgamento e perda de todo o trabalho até então desenvolvido, malbaratado, inclusive, o princípio da duração razoável do processo, dada a nulidade prevista expressamente para o caso (CPP , art. 564, par. único), passível de ser conhecida de ofício.
A redação do quesito apta a harmonizá-lo com a competência, em quaisquer dos casos de desclassificação, pode ser: assim agindo, o réu (nome) quis ou assumiu o risco de produzir o resultado morte? (dolos direto e eventual); ou, de modo desdobradodesdobrado, um quesito para cada modalidade de dolo, assunto para outra oportunidade. Cabe ao presidente bem esclarecer aos jurados que nele reside a tese defensiva de desclassificação. Nesse sentido, inclusive, decidiu o e.TJMG (Ap. Crim. nº 1.0024.09.653234-6/006, j. 04.07.2018).
Poder-se-ia argumentar que os enunciados são sinônimos ou equivalem-se; entretanto, o primeiro viola a atribuição dada ao Tribunal do Júri pela Lei Maior.
Deveras, todo profissional, seja de que área for, deve primar pelo emprego da técnica no desempenho de seu labor, não apenas como maneira de prestigiar o seu grau; mas também como modo de possibilitar a reflexão e o aprimoramento do conhecimento.
Operada a desclassificação, cabe ao juiz presidente o julgamento do feito, cessada a competência do Conselho.
(*) 46º Juiz de Direito Auxiliar