Luiz Guilherme Marques, juiz de direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG
O legislador deveria sempre consultar os cidadãos antes de editar qualquer regramento jurídico, uma vez que, como diz a Constituição Federal do nosso país, o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido, sendo que, aliás, a regra constitucional deveria ser, sim, que somente o povo detém o poder, conforme consta da Constituição Francesa, em outras palavras.
Assim, ouvindo a inconformação de um cidadão não ligado à área jurídica, qual seja o dentista Dr. Arnaldo Andrade Filho, este manifestou sua opinião sobre a prescrição, entendendo-a como uma forma de lesão à Ética, uma vez que quem deve sempre tem que reconhecer o débito e pagá-lo o mais rápido possível.
Da mesma forma, sua opinião seria essa se lhe fosse explicado o que significa a decadência, tão contrária ao sentimento de justiça dos cidadãos comuns quanto a figura jurídica da prescrição.
Pergunta-se: - Onde e quando teria surgido uma ideologia que gerou o famoso brocardo: “O Direito não socorre os que dormem.”, podendo-se calcular que seja anterior ao próprio Direito Romano.
Segundo o pensamento do legislador pátrio, qualquer lesão de direito ou o exercício de qualquer direito se perderiam em função do decurso do tempo, mas, a quem se indagou se deveria editar essa ideologia sob a forma de prescrição e decadência?
O que deve prevalecer, afinal: a vontade do legislador, mesmo contrariando o modo de pensar dos cidadãos, ou o entendimento daqueles em nome de quem o poder é exercido, inclusive o de legislar, estabelecendo o regramento da vida em sociedade?
No nosso país, ainda vítima do autoritarismo dos três poderes, que, de uma forma ou de outra, decidem a sorte dos cidadãos à revelia da vontade destes, nada disso parece irrazoável e, ao contrário, perfeitamente lógico e conforme as melhores referências de como fazer a felicidade do povo.
Em países onde o senso de cidadania é muito mais desenvolvido do que no nosso como sejam a Inglaterra, a França, os Estados Unidos e outros, procura-se, através das leis ou da jurisprudência, de acordo com o sistema adotado, de civil law ou common law, identificar os anseios populares, porque cada cidadão é considerado mais importante do que a própria figura abstrata e fantasiosa do Estado.
Aqui se legisla e, digamos, agora, em desfavor do Judiciário, da forma mais livre e nem sempre correta, segundo o entendimento popular. País de terceiro mundo é assim mesmo, ressalvando-se, apenas em parte, a contribuição do Judiciário, através de algumas figuras mais comprometidas com o verdadeiro sentimento de justiça, quando, contrariando velhos regramentos injustos, decide a favor do justo e não daqueles enferrujados regramentos consagradores das desigualdades e injustiças.
Quem ousaria afrontar institutos jurídicos tão repetidos em todas as leis processuais e materiais que consagram a prescrição e a decadência, afirmando que são imorais nesse aspecto? Somente um sonhador cometeria tal heresia, segundo o ponto de vista dos juristas. Todavia essa “heresia” foi proferida por um cidadão que se sente injustiçado, uma vez que, tendo pleiteado na justiça um direito que entende legítimo, viu seu sonho ser soterrado com toneladas de pedras e terra, resumíveis na palavra prescrição. Esse cidadão não consegue conceber o que justificaria essa negativa jurisdicional, e assim também pensam milhões de outras pessoas que viram seus sonhos de justiça ser negado a esse fundamento.
Invertendo-se as situações, por exemplo, passando para a área criminal, quantos malfeitores se beneficiaram das próprias ilicitudes, muitas delas contra o interesse público, acobertados pelo manto da prescrição ou da decadência!
Alguém irá argumentar no sentido de que a paz social necessita desses dois institutos jurídicos, porque, se não, alguém estaria cobrando dívida da época do descobrimento do Brasil, por exemplo.
Pura Filosofia ou atendimento à vontade popular?
Não é sem razão que Platão defendia a votação pública das leis e regulamentos da vida social. Com o crescimento da população e a complexação da vida comunitária dos cidadãos, partiu-se para as abstrações, que, nem sempre, todavia, foram felizes, principalmente porque quem detém o poder tende a abusar dele em detrimento do povo.
Fica aqui consignado, não meu ponto de vista pessoal, de profissional do Direito, mas sim o protesto de um cidadão, falando em nome próprio, mas, com certeza, fazendo eco à manifestação sem palavras de milhões de outros cidadãos.
Já dizia o Profeta da Galileia, há dois milênios: “Quem tem olhos de ver que veja e quem tem ouvidos de ouvir que ouça”.