Luiz Carlos Rezende e Santos*
Covid-19 trouxe o desafio de impedir a contaminação dos presos, expostos à situação de vulnerabilidade
A população prisional de Minas Gerais é a segunda maior do país, e possui números de pessoas recolhidas equiparados a países como a Argentina e Itália.
Chegada a Pandemia do Covid-19 vieram os desafios de não se permitir a contaminação dos presos, os quais estão expostos à situação de vulnerabilidade em face do encarceramento.
Muitas dúvidas em nosso Estado: 1. O que fazer diante de 85 estabelecimentos interditados? 2. Como impedir que novos presos não levem a doença para as prisões? 3. O que fazer com as demais pessoas que frequentam os presídios como funcionários, terceirizados, visitantes, advogados face ao risco de contaminação ao ambiente carcerário? 4. E os presos em cumprimento de penas em regimes mais brandos e que possuem autorização para saídas diárias ou temporárias, como evitar o leva e traz da peste?
Estes foram alguns dos desafios que o sistema de Justiça teve que enfrentar desde o início da pandemia. O Estado, acertadamente, suspendeu visitas, oficinas e aulas nos presídios, e juntamente com o Tribunal de Justiça editou ato para buscar a redução da população prisional. Foram recomendadas - a concessão de prisão domiciliar aos presos que cumpriam pena em regimes aberto e semiaberto; - a domiciliar aos presos que possuem comorbidades que os deixem mais expostos à violência da doença; e a reavaliação das prisões cautelares.
Sensíveis ao inédito drama, os juízes mineiros iniciaram o processo de redução da população prisional como recomendado. Observe-se que, em 16 de março de 2020, a população prisional era de 72.267 e, em 25 de maio, já estava reduzida a 59.565 pessoas. A redução rápida permitiu a destinação exclusiva de 30 (trinta) presídios para servir como “portas de entrada” dos novos presos. Assim a pessoa que fosse mantida em privação de liberdade não se encontraria no primeiro momento com aqueles que estão em unidades sem o contato externo.
“São enormes as barreiras e dificuldades que estão por vir, mas em primeiro plano cuidou-se da política sanitária, agora, deve-se privilegiar a saúde física e mental da pessoa presa, e por fim, retornar à política criminal de punir e recuperar”
Atualmente, o número de presos encontra-se estável, sendo que, na data de 21 de julho, eram 58.671 nas carceragens mineiras. Da redução, em virtude exclusivamente da pandemia, até a data referida, 10.409 pessoas deixaram as prisões mineiras, o que representa um terço das solturas ocorridas no Brasil devido a Covid-19. Destes 581, foram novamente presos, acusados de práticas de novos crimes, ou descumprimento das condições da liberdade.
Registre-se que a movimentação carcerária de nosso Estado é enorme, e desde 16 de março, além daqueles beneficiados em razão da pandemia, outras 30.668 pessoas (até 21 de julho) foram colocadas em liberdade por motivos ordinários (progressão de regime, livramento condicional, término de pena, liberdade provisória, etc...), dos quais 1.987 reentraram no mesmo período, acusados, em regra, de cometimento de novos crimes. Anote-se que segundo dados do observatório da SEJUSP, no período, manteve-se estável a média dos crimes ocorridos no ano anterior.
Do ponto de vista sanitário, podemos afirmar que o esforço foi recompensado. Afinal o primeiro caso de contaminação ocorreu em 30 de abril, o décimo em 29 de maio, e com a aceleração do contágio chegamos ao centésimo só em 10 de junho, mantendo-se achatada a curva por praticamente 90 dias. Somente agora, em 22 de julho chegamos a 993 pessoas contaminadas no sistema prisional das quais 658 trataram-se no presídio e já receberam alta, 263 estão ainda em cuidados, 65 foram beneficiadas com prisão domiciliar e 7 vieram a óbito. Cinco deles confirmados com Covid-19, e dois ainda em investigação.
Porém, o reflexo do isolamento social de mais de 120 (cento e vinte) dias traz outros prejuízos à política de recuperação do preso. A ausência de atos socializadores, educacionais, laborais e a convivência de modo geral, inclusive com a família, fomentaram transtornos jamais vistos. Estes reflexos ainda não foram mensurados, mas deverão ensejar cuidados e estudos específicos, para evitar maiores danos ao privado de liberdade.
Além de tudo, novos e imprevisíveis desafios voltarão ao encontro dos juízes: - o que fazer com os presos em regime aberto e semiaberto que estão em prisão domiciliar e honraram com seus compromissos? – como trazer de volta os presos para as carceragens quando estas se encontram ocupadas por outros? – o retorno das visitas como será? – como retornar o trabalho das oficinas nas prisões, quais as medidas de segurança? – como permitir os trabalhos socializadores, educacionais, religiosos, autoajuda, voluntários em geral?
São enormes as barreiras e dificuldades que estão por vir, mas em primeiro plano cuidou-se da política sanitária, agora, deve-se privilegiar a saúde física e mental da pessoa presa, e por fim, retornar à política criminal de punir e recuperar. Enormes lutas! O que conforta é que temos juízes, como demonstrado, e assim não perdemos a esperança!l
(*) Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte e Vice- -Presidente Administrativo da Amagis Luiz Carlos Rezende e Sa