Henrique Nelson Calandra,
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.
A democracia, como alicerce de uma sociedade justa e igualitária, tem por fundamentos, dentre vários outros princípios, a dignidade da pessoa humana (a pessoa, pelo simples fato de ser humana, merece respeito) e a liberdade de expressão (entendida como legítima somente aquela comprometida com a verdade).
A AMB em nenhum momento pretendeu – ou pretende – “esvaziar” os poderes do CNJ.
Isso é uma inverdade.
Por intermédio da ação direta de inconstitucionalidade, proposta perante o STF contra a Resolução 135 do CNJ, o que se pretende, única e exclusivamente, é assegurar aos magistrados brasileiros (pessoas humanas como todas as demais) direitos fundamentais que lhe foram – e são – assegurados pela Constituição da República e que estão sendo desrespeitados, para dizer o menos.
O magistrado, como qualquer outro ser humano, sempre foi, é e continuará sendo, sujeito de Direito.
É inadmissível, por exemplo, que lhe seja negado o sagrado e fundamental direito (que todo ser humano possui) de se submeter a um duplo grau de julgamento, pois ao não se aceitar que a competência do CNJ é apenas subsidiária esse colegiado passa, ipso facto, a se constituir em uma instância única e derradeira quando inicia as investigações, acusa e julga um magistrado.
Fazendo-se um paralelo com a advocacia nota-se que os advogados, cuja atividade profissional é tão relevante quanto à dos magistrados, haja vista que a Constituição da República os alçou como “indispensáveis à administração da justiça” (art. 133), nos processos administrativos disciplinares podem se valer de até “três” instâncias administrativas. De acordo com o Estatuto da OAB (Lei n.º 8.906/94), primeiramente perante o Tribunal de Ética e Disciplina (art. 70, § 1.º). Posteriormente, mediante recurso, ao Conselho Seccional (art. 58, III c/c o art. 76). E, por último, também mediante recurso, ao Conselho Federal, mas somente nas hipóteses em que as decisões dos Conselhos Seccionais não tenham sido unânimes ou, sendo, contrariem o Estatuto, decisão do próprio Conselho Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, o regulamento geral, o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos (art. 54, IX c/c o art. 75).
O Conselho Federal da OAB, além do mais, não tem o poder, ao contrário do CNJ, de subsidiariamente avocar os autos do processo administrativo disciplinar para julgamento em caso de demora ou de proceder sua revisão de ofício, somente por provocação. Além disso, todos os colegiados administrativos disciplinares da OAB, sem exceção, são constituídos exclusivamente por advogados, ao contrário do CNJ que possui uma composição híbrida, pois não compõem os quadros da magistratura os dois representantes do Ministério Público, os dois advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB e os dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Nota-se, ainda, que todos os processos administrativos disciplinares instaurados contra advogados tramitam e são julgados em sigilo (EOAB, art. 72, § 2.º), o que não ocorre com os magistrados, em que os julgamentos são públicos (Res. 135/CNJ, art. 20, § 2.º).
Nem por isso é correto e legítimo afirmar, generalizadamente, que na classe dos advogados existem “bandidos escondidos atrás de becas”.
Não, absolutamente não!!!
Acredito na idoneidade moral dos advogados deste país. Creio, sinceramente, que se há desvios de conduta a OAB, nos moldes do aludido sistema processual administrativo-disciplinar, tem condições de – e o faz – punir rigorosamente aqueles que não honram a beca que envergam.
Isso também ocorre na magistratura.
Não compactuamos com o erro. Aqueles que erraram foram punidos e, de acordo com a gravidade de suas condutas, expulsos da magistratura pelos próprios tribunais a que estavam subordinados. Não se quer impunidade. Quer-se apenas respeito aos postulados constitucionais que garantem a dignidade dos magistrados (pessoas humanas) e não desmedida generalização.
A generalização fere a alma e inquieta o espírito.
Como Presidente da AMB, eleito pelo voto direto da magistratura brasileira, lamento profundamente e tudo farei para cessar o gemido da dor moral que estão sofrendo os laboriosos magistrados deste país, que ao longo de suas carreiras, sem medir esforços, dedicaram-se à causa da Justiça, isto é, à pacificação social.
Alguns, por essa vocacionada missão, como restou amplamente noticiado, infelizmente perderam suas vidas.
Não viemos do vento. Somos pessoas do bem. Chefes de família. Fizemos um concurso público rigorosíssimo. No início das nossas atividades fomos submetidos a estágio probatório e avaliados durante dois anos. Ao longo das nossas carreiras fomos – e continuamos sendo – fiscalizados pela sociedade, pelos representantes do Ministério Público, pelas partes e seus advogados, bem como pelos Tribunais, inclusive Superiores, que em grau de recurso revisam nossas decisões jurisdicionais.
Nada tememos. Queremos, repito, respeito. Por isso, há perguntas que não querem calar:
A quem interessa esse furor desmoralizatório da magistratura?
Àqueles que, desmoralizando o Judiciário, têm futuras pretensões políticas?
Àqueles aos quais, por fazer cumprir a lei, o magistrado os “incomoda”?
Àqueles a quem o poder embriaga e, por isso, não medem as consequências de seus atos e palavras?
Àqueles que detêm o poder econômico e, por conta disso, não interessa um Judiciário forte e independente?
O tempo nos dará a resposta!!!
Espero apenas, sinceramente, que não queiram, adiante, amordaçar a imprensa (lembrem-se que já se cogitou a criação do Conselho Nacional de Jornalismo), pois Judiciário fraco e imprensa calada significam o fim do Estado Democrático de Direito, a que tanto lutamos para conquistar em benefício do povo brasileiro.