Presidente da Associação dos Juízes do Rio Gande do Sul (Ajuris) - juíza Vera Lucia Deboni
Na semana passada, a comunidade jurídica do país foi surpreendida pelo envio para sanção presidencial do Projeto de Lei nº 7.488/2017, da Câmara dos Deputados, originário do PL nº 349/205, do Senado Federal, proposta de diploma que contém regras extremamente danosas ao bom combate da improbidade.
O projeto foi aprovado nas casas parlamentares através do mecanismo regimental que permite atribuir efeito terminativo aos pareceres das Comissões e Justiça. Não foi objeto de nenhuma emenda, não passou pelos plenários e não foi oportunizada nenhuma discussão. O parecer foi aprovado em 24/10/2017 e, desde então, o projeto dormitou em silenciosa espera, até que no dia 5 último foi remetido para sanção, cujo prazo para veto termina nos próximos dias, circunstância que leva à suposição de que não havia pretensão de que fosse discutido pela sociedade, desconsiderando-se o princípio constitucional da publicidade.
A lei, se sancionada, tornará muito difícil um efetivo combate à improbidade pelo Poder Judiciário e Tribunais de Contas. Um dos seus dispositivos proíbe – sim, é imperativo – que o juiz ou o controlador profiram decisões que anulem atos ilegais sem antes medir as consequências práticas que resultarão. Assim, diante de uma licitação ilegal, dolosa e lesiva, que resultou em obra pública já em andamento, deverão eles sopesar o fato de que, se concluírem pela anulação do ato, a obra será interrompida e a empreiteira provavelmente demitirá alguns empregados, o que não seria, na expressão da lei, "interesse geral".
Outro ponto abre oportunidade para que atos administrativos nulos se tornem válidos quando decorrentes de orientações gerais da época e resultantes de práticas reiteradas e de amplo conhecimento público. Em outras palavras, se um administrador contrata obras e serviços sem licitação, e se a sua prática for reiterada e conhecida por todos, o ato nulo deverá ser validado retroativamente.
Enfim, o modo como tramitou o projeto, e o que nele se contém, lembram a frase atribuída a Bismarck (não aplicável ao transparente Legislativo gaúcho, ressalte-se):
"Leis são como salsichas. É melhor o povo não saber como elas são feitas".
Fonte: Zero Hora