Logo após o terremoto que arrasou o Haiti e expôs ao mundo as vísceras de um país já devastado pela miséria e violência, formou-se uma rede de ajuda que, contrariando os mais pessimistas em relação aos sentimentos humanos, mobilizou países e indivíduos com uma intensidade e abrangência poucas vezes vistas.

Em meio a essa inédita comoção global, abriu-se o espaço para um movimento pela adoção de crianças haitianas.

Países como a França, Holanda e Estados Unidos propuseram a aceleração dos processos de adoção.
Também no Brasil a procura pela adoção tem sido grande.

Até a semana passada, mais de 600 pessoas já haviam se interessado pela adoção internacional de crianças haitianas.

A adoção internacional é um caminho possível e mesmo indicado quando as instituições funcionam bem e se pode garantir às crianças não apenas um acompanhamento adequado, mas também a segurança nos processos. Mas, em que pese certas situações de emergência, nem assim esse é um caminho que deva ser acelerado.

Fez muito bem o Comitê dos Direitos da Criança da ONU em advertir sobre os sequestros que podem estar sendo encobertos pela adoção no Haiti.

Os riscos de tráfico de órgãos e exploração sexual, lamentavelmente, não são elementos de teorias conspiratórias.

O Judiciário brasileiro tem compreendido a dimensão dos direitos das crianças órfãs ou em situação de abandono.

Não é por outro motivo que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) promove campanhas regulares e específicas com o objetivo de estimular e orientar os processos de adoção.

Esse esforço é sempre na linha de encontrar um final feliz permanente, tanto para as famílias candidatas quanto para as crianças ou adolescentes disponíveis (para não dizer abandonados) em abrigos.

Na mesma direção, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), antecipando-se à nova Lei de Adoção, promulgada no ano passado, criou e pôs em funcionamento o Cadastro Nacional de Adoção, ferramenta indispensável para dar mais celeridade e transparência aos processos.

A nova Lei de Adoção brasileira determina que se busque, primeiro, a inserção da criança ou adolescente junto à sua família biológica, depois, que se tente inseri-la em família substituta na própria cidade, ou no estado, ou no país e, apenas na falta destas possibilidades, que se faculte a adoção a estrangeiros.

Isto não ocorre por apego burocrático, mas pela compreensão de que, para uma criança, a possibilidade de crescer junto dos seus pares, no seu contexto cultural e social, é sempre uma ruptura menor.

Se o critério fosse apenas econômico e material, esta escolha não passaria de uma iniquidade.

Na dor se pode aprender, mas na dor não se deve ensinar. No caso específico do Haiti, ainda não há, de fato, possibilidade de verificar o histórico familiar e pessoal das crianças neste momento. Qualquer deslocamento pode ser traumático e se transformar em nova ruptura adicional àquela sofrida por ocasião do desastre natural.

Dá o que pensar o número crescente de candidatos, no Brasil, à adoção de crianças haitianas. Não há escala Richter para comparar dor e sofrimento.

Dores são dores e o abandono é sempre um abandono, quer causado pela violência da natureza ou por outros tipos de violência, inclusive o desamor dos pais biológicos.

Há, hoje, no Brasil, 4.390 crianças e adolescentes disponíveis para adoção.

Vítimas de outros tremores, esperam a chance de serem acolhidos por uma família que lhes dê o afeto e as condições de vida de que estão privados.


* A juíza Andréa Pachá, do Rio de Janeiro, é ex-conselheira do CNJ e responsável pela implantação do Cadastro Nacional de Adoção.


Fonte: AMB