Marixa Fabiane Lopes Rodrigues* - A arte de ‘Saber Ouvir’, por meio do indispensável depoimento especial, resguarda direitos
Criança é criança, Adolescente é adolescente e Adulto é adulto…. No entanto, por centenas de anos e até os dias de hoje, nossas crianças e adolescentes são submetidos a prestarem depoimentos e a falarem dos crimes dos quais foram vítimas ou dos crimes violentos que testemunharam, como se adultos fossem, sem qualquer preocupação com os impactos que reviver essas experiências negativas e, muitas vezes, traumatizantes, possam lhes causar.
Todavia, com o advento da Lei 13.431/2017, passou a ser obrigatória a observância da coleta dos relatos de crianças e adolescentes através do Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense. Tal documento foi adaptado para o Brasil através de uma parceria entre a Childhood Brasil, o CNJ e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), utilizando o protocolo de Entrevista Forense da National Children’s Advocacy Center (NCAC), do Alabama, Estados Unidos.
Para a efetiva implementação da escuta humanizada, é necessária a criação de salas de depoimento especial, que devem constituir-se de um ambiente acolhedor, no qual estarão presentes apenas a criança ou adolescente e a técnica, preferencialmente psicóloga ou assistente social, que tenham recebido o necessário treinamento na aplicação do protocolo.
A entrevista é gravada e transmitida para a sala de audiências, mas, em tempos de pandemia, é transmitida para o escritório da defesa ou instalações do Ministério Público, de onde é acompanhada em tempo real.
“O tempo é, sem dúvidas, um destruidor de memórias. A clarividência dos dados que poderão ser extraídos do depoimento são inversamente proporcionais ao tempo transcorrido, de modo que, quanto mais rápida for a oitiva, mais esses dados estarão protegidos e mais rápido a vítima se verá livre do fantasma de ter que contar o que lhe aconteceu para adultos desconhecidos”
Todos os Tribunais do país vêm se preparando para cumprir com o seu dever de acolhimento e atendimento humanizado nos nossos menores, através da implementação de salas de depoimento especial já existentes em 19 unidades da federação. Minas Gerais não é diferente e, desde 2018, o egrégio TJMG vem proporcionando a capacitação de seus técnicos (as), juízes (as), para a tomada do Depoimento Especial e hoje já existem 101 salas implementadas em comarcas de todo o estado.
“Nesse caminhar, o Judiciário segue incansável, fechando ciclos, proporcionando o resguardo de direitos e a libertação, através da arte de ‘Saber Ouvir’, por meio do indispensável Depoimento Especial”
Estamos, pois, em franca corrida contra o tempo, para que todas as comarcas disponham de salas apropriadas para a tão comemorada aplicação do novel protocolo. Contra o tempo, porque este não para e as crianças e adolescentes que foram vítimas de crimes sexuais estão crescendo e querem mais é esquecer qualquer tipo de experiência traumatizante. O tempo é, sem dúvidas, um destruidor de memórias. A clarividência dos dados que poderão ser extraídos do depoimento são inversamente proporcionais ao tempo transcorrido, de modo que, quanto mais rápida for a oitiva, mais esses dados estarão protegidos e mais rápido a vítima se verá livre do fantasma de ter que contar o que lhe aconteceu para adultos desconhecidos.
A dor das crianças e adolescentes muitas vezes, são externadas em cada oitiva pela ansiedade, choros, soluços e nervosismo. Após concluído o relato livre e superados os esclarecimentos, cujas perguntas devem ser apresentadas pelas partes em bloco, sobrevêm novos sentimentos. Ao final de cada depoimento, é gratificante ver essa alteração de emoções, que passam da dor e sofrimento para a perceptível sensação de alívio e libertação externados pelas vítimas. O que, para elas, inicialmente seria um tormentoso desafio de reviver uma violação sofrida, transmuda-se em um verdadeiro processo terapêutico, no qual são cientificadas que foi fechado o ciclo, que sua oitiva foi gravada e que elas não mais precisarão recontar aquela história.
E nesse caminhar, o Judiciário segue incansável, fechando ciclos, proporcionando o resguardo de direitos e a libertação, através da arte de ‘Saber Ouvir’, por meio do indispensável Depoimento Especial.
(*) Juíza da vara especializada em Crimes contra a Criança e o Adolescente