Hora de repensar o Judiciário

(Luiz Guilherme Marques, juiz de direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG)

Para quem nunca ouviu falar na minha pessoa, que deve ser a maioria do nosso Judiciário, devo dizer que estive em Paris durante 2 meses, em 1999, para estudar mais de perto sobre o Judiciário daquele país, em um curso na Escola Nacional da Magistratura francesa, daí surgindo alguns livros, dos quais destaco o intitulado “A Justiça da França – um modelo em questão”, LED, 2001.

A partir dessa época estudei sobre o Judiciário de vários países, dentre os quais a Inglaterra, os Estados Unidos, a Rússia e a Índia e, somente depois, me senti em condições de apresentar sugestões para a melhoria do nosso Judiciário, o que redundou em, sobretudo, dois livros: “A Ética no Judiciário”, TJMG, 2009 e “Judiciário do Brasil – propostas”, Letras Jurídicas, 2015. Além de cerca de mil artigos.

Sempre bati na mesma tecla, que é a independência do Judiciário, sendo que são verdadeiras amarras as conjunturas legislativas que regulamentam o provimento de cargos na Magistratura a partir da segunda instância, como sejam a presença do quinto constitucional nos tribunais estaduais, que dá ao governador do estado o poder de escolher seus apadrinhados, sem contar que nas outras áreas do Judiciário da segunda instância quem escolhe os desembargadores é o presidente da República. Na terceira instância a liberdade do presidente da República é maior ainda e assim também na quarta instância, que é o Supremo Tribunal Federal.

Não estou dizendo de forma alguma que os escolhidos sejam desonestos, mas a verdade é que isso gera uma tremenda desconfiança dos jurisdicionados, porque fica sempre a suspeita de comprometimento, muito maior do que quanto aos magistrados da primeira instância, os quais são selecionados mediante concurso público de provas e títulos.

Sinceramente fiquei muito bem impressionado com o Judiciário francês, que, tenho certeza, é tomado mundialmente como um modelo, porque ali o provimento dos cargos de todas as instâncias se faz através do aproveitamento dos membros concursados. Estamos vivendo uma conjuntura dramática no Brasil, em que um ex-presidente da República acaba de assumir um ministério, mesmo estando publicamente reconhecido como suspeito de lavagem de dinheiro e outros crimes de colarinho branco.

Caso não tivesse sido privilegiado com essa benesse seria um réu comum diante do temível juiz federal Sérgio Moro, correndo o sério risco de ser preso e condenado, mas, agora, com os benefícios que a legislação processual concede, deverá ser processado diante doo Supremo Tribunal Federal, cuja composição de 11 ministros tem nada mais do que 9 nomeados pelo partido político do qual o ex-presidente é seu membro mais importante.

O Brasil está estarrecido com essa situação toda e bem assim todas as nações civilizadas do planeta.

Fala-se até em golpe militar e manifestações populares mais ou menos virulentas.

O que será dito, inclusive nos outros países, sobre toda a justiça do Brasil somente Deus sabe, mas conforme seja o posicionamento do STF, no julgamento do caso em tela, todos nós, componentes dessa complexa estrutura, que no Brasil se qualifica como um dos poderes da República, estaremos valorizados ou tidos como tão merecedores de censura quanto o réu e seus companheiros no referido processo.

Pode parecer alarmismo, mas nestes 61 anos de vida, já vi o caos provocado pela renúncia do então presidente Jânio Quadros, o golpe militar de 1964 com suas perseguições e assassinatos, e a atual ditadura do Partido dos Trabalhadores. Nesses anos todos o Judiciário brasileiro foi sendo fortalecido, mas ainda falta muito para melhorar, tudo isso dependente de mudanças legislativas em profundidade, principalmente no que pertine à referida independência, que só ocorrerá quando não houver mais nenhuma interferência do Executivo e do Legislativo na nossa esfera.

Se o que está sendo falado aqui tem algum alcance e utilidade é outra história e se chegaremos um dia a ser um Judiciário nos moldes da França é também outra história, mas tenho a dizer que acredito nos juízes concursados e gostaria que todos os que estivessem nas instâncias superiores tivessem ingressado através de concursos nos moldes do que eu referi acima.

Alguns poderão encarar esta fala como ofensiva, mas o que me move a redigir mais um texto em favor do nosso Judiciário brasileiro é a preocupação que tenho com o bom nome, principalmente daqueles que ingressaram através de concursos e que têm como único compromisso a realização da verdadeira e cristalina justiça.

No mais, cada um deduza o que quiser.


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