Leia o artigo do desembargador Herbert Carneiro, publicado no jornal Estado de Minas nesta quarta-feira, 8.
Indulto Natalino
Herbert José de Almeida Carneiro
Desembargador da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)
Todos os anos, é grande a ansiedade experimentada pelos operadores de execução penal e pela população carcerária na expectativa do decreto de indulto, a ser expedido pelo Presidente da República, visando a extinção da pena de pessoas condenadas ou sujeitas à medida de segurança, desde que cumpram requisitos objetivos (tempo de cumprimento de pena ou medida de segurança, idade do apenado, constatação de doença grave e permanente e frações de pena cumprida etc.) e subjetivos (inexistência de falta disciplinar grave). Somente a conjugação desses requisitos justificará a apreciação e decisão judicial sobre o reconhecimento ou não do direito pretendido. Cabe aqui uma ponderação: não é tão fácil assim ser indultado.
No exercício do mister de elaborar a proposta de decreto de indulto, encaminhada ao Presidente da República, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, cuidou de coletar, em audiência pública, sugestões da sociedade civil e de diversas instituições com atuação na execução penal. Cerca de 120 sugestões foram feitas e amplamente discutidas e votadas, resumindo um texto final sobre o qual faremos breves comentários.
Primeiramente, oportuno esclarecer, os direitos previstos na proposta de decreto de indulto não alcançam definitivamente as pessoas condenadas por crime de tortura, terrorismo ou tráfico de drogas; por crime hediondo; por crimes definidos no Código Penal Militar. Neste particular, não há novidade, se compararmos a atual proposta com os decretos expedidos anteriormente.
De outro norte, respeitados os limites deste espaço, cabe registrar aqui algumas propostas realmente novas como, por exemplo, a possibilidade de concessão de indulto para pessoas condenadas, desde que a pena privativa de liberdade seja superior a oito e não superior a doze anos, em regime fechado ou semiaberto, que tenham cumprido um terço ou metade da pena (reincidentes), e que tenham obtido resultado favorável ao ingresso em instituição de ensino superior, reconhecida pelo Ministério da Educação. Tal proposta tem por objetivo o fomento da educação nas prisões e estímulo aos apenados, via do estudo, a fim de reduzir a vulnerabilidade do sistema carcerário.
Merece destaque também a criação de um dispositivo específico para permitir indulto às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade sob o regime aberto, que tenham cumprido, presas provisoriamente, um quarto da pena, ou um terço, se reincidentes. O objetivo dessa proposta, evidentemente justa, é o de reparar as distorções causadas aos indivíduos que têm suprimidas suas liberdades durante a prisão provisória (processual), em regime análogo ao fechado - e por muitas vezes até pior do que esse – mas que, quando condenados, o são em regime aberto de cumprimento de pena, sabidamente a ser cumprida em albergues e não na prisão.
Para controle da ansiedade anteriormente referida, importante destacar que o número de pessoas favorecidas com o indulto tem sido insignificante no universo das pessoas encarceradas, porquanto, em todo o país, segundo dados da ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2005, foram deferidos 1.505 indultos; em 2006, 3.527; em 2007, 1.730 e, em 2008, 3.307. Realmente é muito pouco, se considerada a população carcerária brasileira que está prestes a atingir 500.000 presos.
Por derradeiro, muito mais do que esperar ansiosamente pelo indulto como alternativa viável de solução parcial do grave problema da superlotação carcerária, necessário crescer na consciência de cada um de nós, como forma de dignificar o cárcere, a importância da aplicação das alternativas penais, máxime das sanções comunitárias, e seu emolduramento numa política criminal e penitenciária que, sob o signo da proporcionalidade (entre a pena e a gravidade da infração) e da solidariedade compartilhada, seja fundamentada no ideário da promoção dos direitos humanos. Importa buscar, à luz da experiência do passado e do presente, e sem perder a capacidade de crer e de sonhar, uma resposta convincente ao enigma da pena.