Rogério Medeiros Garcia de Lima (Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais)
Presidente da República, governadores e prefeitos são eleitos para governar. Senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores são eleitos para legislar. Magistrados prestam concurso ou são nomeados para julgar conflitos de interesses, à luz da Constituição Federal e demais textos legais. Simples assim, parece. Mas não é.
As eleições gerais, com ou sem segundo turno, somente são resolvidas depois do chamado “terceiro turno” perante a Justiça Eleitoral. Não há eleição que não seja impugnada, não raras vezes sem qualquer fundamento, em juízo. Espetáculo deplorável.
Tudo definido e empossados os políticos, personagens não eleitas intentam governar os destinos da coletividade. Arvoram-se em “guardiães da ética” para impor aos políticos legitimamente eleitos modos de agir e governar.
Utilizam com fartura meios de comunicação para impor unilateralmente seu discurso “ético” e arregimentar hostes de desinformados insatisfeitos. Ajuízam uma miríade de ações coletivas para defesa da decantada “moralidade administrativa”. Jornalistas e cidadãos passam a interpelar magistrados, em busca de opiniões sobre a política “judicializada”. Um aberrante desconforto, não verificado em nações desenvolvidas como Estados Unidos e potências europeias.
Em nome do princípio democrático do acesso à justiça busca-se impor a governantes, legisladores, empresários e cidadãos, de modo unilateral e autoritário, obrigações de fazer ou não fazer. Muitas vezes sem sopesar os ônus decorrentes aos cofres públicos e privados.
É sempre oportuno assinalar que o Direito Administrativo contemporâneo consagra a relação dialógica entre Administração Pública e administrados. Em outras palavras, almeja-se a parceria entre público e privado, para substituir-se a Administração Pública dos atos unilaterais, autoritária, verticalizada e hierarquizada (Maria Sylvia Di Pietro, Parcerias na Administração Pública, Editora Atlas, 1997, pp. 11-12).
Nesse sentido, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que a adesão aos chamados “termos de ajustamento de conduta” não pode ser imposta unilateralmente aos agentes públicos ou cidadãos visados:
“(...) O compromisso de ajustamento de conduta é um acordo semelhante ao instituto da conciliação e, como tal, depende da convergência de vontades entre as partes. Recurso especial a que se nega provimento” (Recurso Especial nº 596.764-MG, min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 23.05.2012).
Nesse contexto, exige-se do magistrado extrema cautela no exame das questões relacionadas à “judicialização da política”. O povo elege o governante e o governante governa. Se governa mal, o povo, em eleições democráticas periódicas, removerá (ou não) o governante que o desagrade.
Aos magistrados apenas se reserva, quando provocados, o papel de fazer cumprir a Constituição e as leis, respeitando os postulados da governança democrática, e, se for o caso, aplicar sanções aos que violarem os princípios da boa Administração Pública.
O Poder Judiciário não pode servir de trampolim para o exercício arbitrário e ilegítimo do poder por quem não foi eleito. Em outras palavras, afirmaria o gaúcho Getúlio Vargas, o juiz não pode esquentar a água para outros beberem o mate. Não deve, diriam os “futebolistas”, levantar a bola para outros chutarem ao gol...