* Juiz Bruno Terra Dias
Os princípios do conhecimento e da verdade, com todas as consequências que lhes são naturais, são lastro indispensável à afirmação da autoridade moral das instituições no Estado Democrático de Direito; o contrário, o escamoteamento e a apreciação distorcida, por propósitos tantas vezes inconfessáveis, fundamentam apenas a transitória e sempre combatida autoridade da força bruta, de consequências tão nefastas quanto conhecidas.
Atualmente, ainda que de maneira disfarçada, alguns argumentos parciais têm sido utilizados para fundamentar posicionamentos de manipulação da opinião pública, mirando no prestígio do Poder Judiciário e atingindo a honorabilidade do exercício de uma nobre profissão. Das discussões hoje travadas sobre natureza das atividades e desempenho do Judiciário invariavelmente não se vê retratada uma verdade, quando muito, em não se tratando de opiniões pessoais expressas como certezas indiscutíveis (como o fez o Ministro Joaquim Barbosa recentemente ao imputar ao Judiciário culpa pela corrupção no país), dados incompletos ou mesmo manipulados são empregados para surtir efeitos diversos daqueles naturalmente decorrentes do conhecimento efetivo dos fatos (como crer que a afirmativa do Sr. Ministro seja merecedora de acolhimento, com isto afagando quem não deseja uma reforma política profunda).
É imperativo restabelecer o equilíbrio à luz do interesse maior da coletividade.
Vivemos uma época de curioso retorno a práticas feudais na afirmação das razões no debate político. Tem valido mais o poder da força política ou econômica na afirmação das conveniências pessoais ou setoriais do que o diálogo fundamentado no conhecimento autêntico dos fatos e respectivas causas.
A opinião pessoal sobre Judiciário ou sobre juízes, seja de quem for, deve ser recebida como tal e analisada à luz da história das instituições e dos que as servem. Conhecimento e verdade são princípios que se postam não apenas para apontar deficiências, mas também para atribuir méritos.
É normal do ambiente democrático a crítica, mas somente haverá cidadania sadia se houver a justa medida também do reconhecimento.
Não se pode esconder que o processo judicial é demorado, mas igualmente não se pode esquecer que o direito ao duplo grau de jurisdição é garantia constitucional necessária, que o debate das provas existe para permitir que o conhecimento e a verdade aflorem ante o juiz imparcial; o juiz que, por vezes, toma decisões impopulares é o mesmo que concede liminares para tratamento médico/hospitalar a quem encontra portas fechadas ante a necessidade de restabelecimento de sua saúde e qualidade de vida; o juiz que sentencia condenando alguém pela prática de um crime é o mesmo que abraça o projeto novos rumos à execução penal e encaminha o apenado ao modelo alternativo prisional da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), cuja taxa de reincidência fica em torno de 6 a 7%, enquanto no modelo tradicional chega a 85%. Também é preciso reconhecer que o mesmo tribunal que confirma sentença condenatória criminal sustenta programa de acolhimento ao apenado portador de sofrimento mental; a mesma Justiça que confirmou, por tribunais superiores, a constitucionalidade de confisco, feito por ocasião de plano econômico governamental, teve a coragem de determinar desbloqueios em favor de pessoas que, da noite para o dia, se viram resumidas à insuficiência de recursos para gastos pessoais e familiares.
Outros tantos exemplos, colhidos a partir da redemocratização do nosso país, poderiam ser citados para demonstração de que têm faltado equilíbrio e conhecimento de causa a muitos que emitem opiniões parciais, sustentando discursos de fácil manipulação da opinião pública, mas que prestam o desserviço do obscurantismo e do declínio da consciência.
Para saber fazer críticas e construir um Judiciário melhor não é necessário ser juiz, basta ter honestidade de propósito e se dispor a estudar e debater, com sinceridade, as causas fundamentais dos problemas que afligem não apenas o jurisdicionado, mas a todos que dedicam suas vidas e sacrificam, não raro, suas famílias em favor da pacificação social. São esforços que se empreendem dia-a-dia na busca de melhoria da justiça brasileira, como as conciliações da justiça restaurativa, que busca a melhor reparação ao dano suportado convocando os afetados a colaborar na solução do conflito.
Conhecimento e verdade são mais que princípios, são o que falta para permitir lucidez e desenvolvimento político da nossa Nação.
* Presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis)
Este artigo foi publicado no caderno Direito e Justiça, do Estado de Minas, edição do dia 1º de fevereiro de 2010.