Fernando Armando Ribeiro*

A partir da segunda metade do século XX, o acesso à Justiça ganha importância nos debates mundiais sobre o Direito, tanto na academia quanto nas instâncias públicas e, mais especialmente, no âmbito do Poder Judiciário. No Brasil, a Constituição de 1988 veio trazer toda uma renovação do pensamento jurídico no que tange às possibilidades de acesso à justiça. Tal ampliação trouxe em seu bojo um profundo desafio aos órgãos vocacionados à aplicação do Direito, trazendo especialmente ao Judiciário uma situação paradoxal de crise e de crescente importância, na qual ainda nos encontramos inseridos. De fato, a tradição ‘judiciarista’ da história republicana brasileira nunca foi tão incrementada.

A estrutura e composição da Justiça Militar dão vazão a algumas das melhores construções acerca do juiz natura, garantindo aos militares um acesso célere e eficaz a uma Justiça justa. Deixar que o militar seja julgado por pares não é dar-lhe tratamento privilegiado, mas garantia de ordem, de correção e de justiça. Sobretudo, ao se considerar que na estrutura do escabinato brasileiro, do julgamento também tomarão parte juízes civis, dotados de comprovada experiência e conhecimento jurídico, integrantes dos Tribunais de segunda instância e, em primeiro grau, juízes de direito concursados e integrantes da carreira da Magistratura, aos quais hoje se atribui, na Justiça Militar estadual, a presidência do colegiado (Conselho Permanente de Justiça e Conselho Especial de Justiça) e a atribuição de redigir a sentença produzida pelo órgão colegiado.

São atuais e dotadas de grande sentido as palavras do ministro Moreira Alves, ex-presidente do STF, quando diz que:

Sempre haverá uma Justiça Militar, pois o juiz singular, por mais competente que seja, não pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas, não estando, pois, em condições de ponderar a influência de determinados ilícitos na hierarquia e disciplina das Forças Armadas¹.

A prática dos julgamentos na Justiça Militar (Federal e Estadual) tem demonstrado a grande importância das pré-compreensões trazidas pelos juízes militares, advindas de sua experiência na caserna. O escabinato tem como função precípua, como diz Maria Elizabeth Teixeira Rocha, “permitir aliar a experiência dos comandantes que atingiram o ápice das carreiras [...] com o inegável conhecimento jurídico dos magistrados civis”.2 Percebe-se, portanto, uma feliz ampliação e enriquecimento das pré-compreensões, tornando as decisões mais justas por propiciarem uma junção da formação e vivência profissional dos magistrados militares com a formação técnico-jurídica dos julgadores togados. A fundação da modernidade foi marcada pelo compromisso dos homens com determinados valores, então convertidos em preceitos jurídicos de força normativa constitucional. Entre eles, destaca-se, com grande evidência, a segurança pública. Segundo filósofos do porte de Hobbes, Locke e Rousseau, sua busca constitui-se na razão de ser da própria criação do Estado de Direito. Sua presença reflete-se tanto na declaração de 1789, como na célebre Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que no seu artigo 3º dispõe que: “Todo indivíduo tem o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, segurança pública é, sim, direito fundamental de primeira grandeza! No Brasil, esta carece de concretização e efetividade, não de redução do aparato institucional voltado para garanti-la.

A Justiça Militar é a responsável pela manutenção da ordem no interior das instituições militares, que possuem a atribuição constitucional de garantia e preservação da ordem democrática brasileira. Em seus 83 (oitenta e três) anos de história, a Justiça Militar de Minas Gerais tem dado mostras de seu compromisso democrático, de importância para a Segurança Pública e a ordem constitucional do Estado, afirmando diuturnamente seu compromisso com a eficiência e celeridade da prestação jurisdicional.l

(*) Pós-Doutor em Direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), doutor em Direito pela UFMG, professor da PUC-Minas, juiz presidente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais.

O artigo acima foi publicado no Jornal DECISÃO, em sua edição de maio 2020.