Por Ana Paula Balbino (*) e Maria A Consentino (**)
Nos últimos três meses, o mundo sofreu uma dramática revolução devido à pandemia do novo coronavírus, que chegou sem aviso, e, dentre os inúmeros prejuízos sociais, um deles se revela de extrema gravidade, que é a violência no âmbito familiar.
Tal realidade se prende à conhecida dificuldade do rompimento do ciclo da violência doméstica por parte das vítimas, agora somada à restrição do deslocamento até uma delegacia de polícia, e, também, pelo fato da vítima estar na mira do seu agressor 24 horas.
A incerteza e ansiedade geradas pelo atual momento, sem dúvida propiciam o aumento do consumo de bebida alcoólica e drogas ilícitas, que, com a crise financeira e o desemprego, proporcionam comportamentos violentos, intensificando os casos de subnotificação e o risco de aumento do feminicídio.
Alguns Estados promulgaram novas leis criando medidas para reduzir a subnotificação de ocorrências durante a pandemia, como por exemplo, a criação de canais digitais de denúncia e de ofertas de vagas e condições de abrigos para receber as mulheres que precisam ser afastadas das suas casas.
O Estado de Minas Gerais sancionou, em 17 de abril de 2020, a Lei 23.634, determinando a atuação de Equipes de Saúde da Família, compostas por agentes comunitários de saúde, qualificados, que por meio das visitas domiciliares periódicas vão identificar e notificar eventuais casos de agressões, e, ainda, acolher e orientar de modo humanizado as vítimas.
Sob a mesma ótica, objetivando minimizar os danos acarretados pela quarentena no âmbito da violência doméstica, o Distrito Federal sancionou a Lei 6.539, de 13 de abril de 2020, que dispõe sobre a comunicação dos condomínios residenciais aos órgãos de segurança pública sobre a ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente ou idoso em seu interior.
O Estado de Minas Gerais, em sua Casa Legislativa aprovou o Projeto de Lei 1.054/2019, nos mesmos termos da Lei do Distrito Federal, dispondo acerca do dever de os condomínios localizados no território do Estado comunicar a delegacia de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais e aos órgãos de segurança pública especializados, por seus síndicos ou administradores, a ocorrência ou indício que apontem a existência de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente ou idoso, e que tenham sido praticados nas unidades condominiais ou nas áreas comuns de condomínio.
As mencionadas leis vêm como resposta ao silêncio histórico da sociedade que se baseava no velho adágio popular que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Essa omissão não prospera mais, pois hoje se deve “meter a colher, sim” em relacionamentos familiares que resultem agressões para mulheres, idosos, crianças e adolescentes. Trata-se de uma questão de saúde pública, inalienável e irrenunciável.
A dificuldade das mulheres de acessarem os equipamentos públicos presencialmente fez com que alguns Estados e a União criassem canais de denúncias modernizados. Em Minas Gerais, o Projeto de Lei 1.876/2020, que se encontra em fase de sanção do governador, dispõe sobre o registro de violência doméstica por meio de Delegacia Virtual, durante a pandemia do coronavírus-Covid-19, podendo requerer via digital a concessão de medida protetiva de urgência relativos aos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Diante do exposto, a fim de combater a reconhecida subnotificação intensificada pelo confinamento em virtude da pandemia, tornou-se imperioso aos Estados agirem de maneira mais incisiva e rápida na questão da violência doméstica, em defesa dos direitos fundamentais humanos da mulher, criança, adolescente e idosos no contexto familiar, resultando na promulgação dessas significativas leis.
Ana Paula Balbino (*) é delegada de polícia da Delegacia Especializada da Mulher de Belo Horizonte/MG
Maria A Consentino (**) é juíza do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Belo Horizonte/MG
Fonte: O Tempo