Isso, porém, é inaceitável. O ato de promulgação é vinculado e não há motivo para que deixe de ser realizado. Emendas à Constituição devem ser promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que devem fazê-lo sempre que o projeto for aprovado no plenário, em dois turnos e por três quintos dos votos dos respectivos membros, conforme determina a Constituição.
A promulgação não é o momento para se proceder ao controle de constitucionalidade da PEC, o que cabia às Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania das duas Casas, que afirmaram sua constitucionalidade. As Mesas, pela natureza de órgão fracionário, não têm poder de veto sobre a vontade do plenário.
Três objeções foram apresentadas para obstar a promulgação da PEC: vício de iniciativa, excesso de gastos e necessidade de retorno ao Senado para apreciação do texto aprovado pela Câmara.
Pela natureza jurídica do ato de promulgação, os dois primeiros argumentos (vício de iniciativa e impacto financeiro) sequer deveriam ser discutidos, já que a PEC observou todas as formalidades previstas na Constituição e nos Regimentos Internos das Casas. Os argumentos, porém, além de inapropriados, são duvidosos e inconsistentes.
Com efeito, seriam inconstitucionais, por vício de iniciativa, duas emendas anteriores (24 e 45), de iniciativa parlamentar, que interferiram profundamente na estrutura do Poder Judiciário? Por que não houve essa dúvida quando da promulgação da EC 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), autorizou a criação de câmaras regionais e extinguiu os Tribunais de Alçada no âmbito dos Estados? Por que não se suscitou esse debate quando a EC 24 extinguiu a figura do juiz classista e impôs que em cada Estado e no Distrito Federal houvesse pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho?
A segunda objeção aproxima-se do absurdo. Com certo terrorismo argumentativo, afirmou-se que os novos tribunais custariam, “por baixo”, R$ 8 bilhões ao país, embora não se saiba qual o método de aferição desse valor. Se existente estudo nesse sentido, a ele não se deu publicidade.
Essa estimativa, porém, é equivocada e revela desconhecimento da Justiça Federal. O orçamento da Justiça Federal para 2013 é da ordem de R$ 7,8 bilhões. Desse montante, 78,6% serão destinados ao 1º grau da Justiça Federal, que não sofrerá nenhum aumento em decorrência da PEC 544. Como explicar, então, que quatro novos tribunais custariam mais que todo o orçamento da Justiça Federal?
Da análise do orçamento da Justiça Federal pode-se afirmar que o custo médio dos atuais tribunais regionais é de R$ 272 milhões anuais, sendo que o menor deles, que tem o perfil dos novos tribunais, é de R$ 154 milhões por ano, incluindo-se despesas com pessoal, benefícios e de custeio. Logo, os novos tribunais não poderão custar mais do que R$ 700 milhões ao ano. Além disso, o Conselho da Justiça Federal (CJF), em resposta a questionamento de parlamentares, concluiu que a PEC 544 está em conformidade, do ponto de vista orçamentário e financeiro, com os limites da lei de responsabilidade fiscal, uma vez que a margem de expansão comporta as despesas projetadas, consoante fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O argumento da alteração de texto também não se sustenta, pois a modificação realizada pela Câmara consistiu em mera adequação formal, sem mudança de conteúdo, o que, segundo precedentes do Legislativo e do STF, dispensa o retorno à outra Casa. Este juízo, aliás, foi realizado em 2003, quando, após parecer técnico, o senador José Sarney, então Presidente do Senado Federal, dispensou a necessidade de retorno da PEC.
Vê-se, portanto, que o debate público sobre o tema ficou truncado em razão da distorção de informações e da utilização de adjetivações sensacionalistas com o intuito de colocar a opinião pública, o Executivo e a imprensa contra a criação de novos tribunais federais.
Seja como for, considerando-se a ausência de vícios na tramitação da PEC, sua não promulgação consistiria em afronta a uma decisão soberana do Poder Legislativo e um precedente perigoso para o país, pois configuraria um ato político sem respaldo no ordenamento constitucional.
Autor: Nino Oliveira Toldo, desembargador do Tribunal Regional da 3ª Região, doutor em Direito pela USP e presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)
Fonte: Conjur