* Flávio Junqueira Silva


Com o presente estudo, não temos a pretensão de externar verdades absolutas sobre o tema proposto, ou tecermos críticas contra a administração do Tribunal, até porque a situação atual é antiga, passando por várias administrações do Tribunal, mas temos como fito trazer a questão à baila para reflexão.

É fato que em Minas Gerais não são publicados os editais para provimento das Comarcas de 1ª Entrância há algum tempo, salvo rara exceção, pelo que essas comarcas estão vagas, respondendo por elas Juízes de Direito Substitutos ou Juízes de Direito titulares de outras Comarcas ou Varas, cumulando o cargo, nomeados por ato do Presidente do Tribunal.

Como dito, esse fato não é novo, perdura por vários anos, havendo juízes respondendo por Comarcas como Substitutos há quase 10 anos, e Comarcas que nunca tiveram Juiz Titular.

Nesse sentido:

Não se pode perder de vista que muitas vagas nesta situação não são providas regularmente por edital e votação da Corte Superior há mais de dez anos e que a abertura imediata de editais para todas essas vagas causaria injustiças diante de situação criada por administrações passadas do Tribunal de Justiça. (Elton Pupo Nogueira. Juiz de Direito de Frutal, MG. Em www.amagis.com.br)

A Lei Complementar Estadual 59/2001, nossa Lei de Organização e Divisão Judiciária, prevê:

Art. 171. Ocorrendo vaga a ser provida, o Departamento da Magistratura fará publicar, no “Diário do Judiciário”, edital com prazo de quinze dias para inscrição dos candidatos.
...
§ 2º A data da abertura de vaga, para efeito de determinação do critério de promoção, será:
I – a do falecimento do magistrado;
II – a da publicação do ato de aposentadoria ou de exoneração do magistrado;
III – a da publicação do ato que decretar a perda do cargo, nos casos do art. 143, I, desta Lei Complementar, a da remoção ou da disponibilidade por interesse público;
...
§ 10. O edital a que se refere o “caput” deste artigo será publicado em até trinta dias contados da data da abertura da vaga a ser provida, salvo deliberação da Corte Superior ou se suspensa a movimentação de juízes em virtude do processo eleitoral, ocasião em que o edital será publicado em até trinta dias contados da cessação da suspensão.
§ 11. A publicação dos editais obedecerá à ordem de surgimento das vagas, vedada a publicação de edital referente à vaga posterior antes da publicação do edital referente à vaga anteriormente surgida.

Portanto, vagando uma Comarca em Minas Gerais, deve haver abertura de edital em 30 dias, salvo deliberação da Corte Superior, e, se não abertos editais para todas as Comarcas vagas anteriormente, não poderão ser abertos novos editais.

Registramos que, mesmo se houvesse a manifestação da Corte Superior, suspendendo a publicações dos editais, não poderiam ter ocorrido novas publicações de editais, antes do provimento das comarcas anteriormente vagas, conforme parágrafo 11 supracitado.

Nesse sentido Dr. Elton Pupo Nogueira:

Só a Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais é que poderia suspender a publicação de editais de provimento dessas vagas, e a suspensão do provimento da vaga pela Corte Superior, impediria também o provimento da vaga por designação.

...

Mas, não há justificativa para descumprimento da lei que foi proposta pelo próprio Tribunal de Justiça, e aprovada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais. (www.amagis.com.br)

Embora vagas várias de Comarcas de Primeira Entrância, os editais não foram publicados, e são publicados novos editais para Comarcas de Segunda Entrância e Entrância Especial diuturnamente.

No plano Constitucional, não podemos nos afastar do previsto no artigo 37, da CR, que prevê que a Administração Pública deve obedecer ao princípio da legalidade.

Sobre o princípio da legalidade, leciona o festejado Desembargador Kildare Gonçalves Carvalho:

O princípio da legalidade subordina a administração pública à lei. Diferentemente do indivíduo, que é livre para agir, podendo fazer tudo o que a lei não proíbe, a administração somente poderá fazer o que a lei manda ou permite.( Direito Constitucional. Del Rey. 10ª Ed. 2004. P. 539)

Ainda, a Constituição da República, em seu artigo 95, II, prevê que os Juízes gozam da garantia da inamovibilidade.

Como leciona José Afonso da Silva:

2. Garantias Funcionais do Judiciário: 2.1 Pré-compreensão. As garantias que a Constiuição estabelece em favor dos juízes para que possam manter sua independência e exercer a função jurisdicional com dignidade, desassombro e imparcialidade podem ser agrupadas em duas categorias: (a) garantias de independência dos judiciários; (b) garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários. 2.2 Garantias de independência dos órgãos judiciários. São: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. (Comentário Contextual à Constituição. Malheiros, 4ª Ed. 2007. P. 514. Grifos do original)

Ressalta Alexandre Moraes:

Os magistrados possuem constitucionalmente as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutabilidade de subsídios, assim como os membros do Ministério Público, pois sua independência pressupõe um caráter externo, relativo aos órgãos ou entidades estranhas ao Poder Judiciário, e um caráter interno, ou seja, independência dos membros perante os órgãos ou entidades pertencentes à própria organização judiciária. (Direito Constitucional. Atlas. 9ª Ed. 2001. P. 439. Grifamos)

Continua o constitucionalista:

Uma vez titular do respectivo cargo, o juiz somente poderá ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio de qualquer outra autoridade, salvo em uma única exceção constitucional por motivo de interesse público (CF, arts. 93, VIII, e 95, II) e pelo voto de 2/3 do órgão competente. (Obra citada, P. 440)

Como não vêm sendo abertos os editais para provimento das Comarcas de Primeira Entrância, os JDS, mesmo após vitaliciados, estão alijados da garantia da inamovibilidade em Minas Gerais.

Caso queiram se titularizar, devem se inscrever diretamente para a Segunda Entrância, pelo que é possível afirmar que em algum tempo não teremos Juízes de Primeira Entrância em Minas Gerais.

Novamente cito o Dr. Elton Pupo Nogueira:

Mesmo depois da aprovação do artigo acima, comarcas de primeira entrância foram providas por designação e os juízes substitutos assumiram vagas sem titularização e com incertezas quanto às garantias da inamovibilidade, ao mesmo tempo em que o serviço judicial praticamente pára nos afastamentos dos juízes titulares em todas as comarcas de Minas Gerais.

É forçoso concluir que se existe a Comarca Criada e Instalada é porque há movimento forense suficiente para justificar a presença de um Juiz no local, sendo certo que a LC 59/2001 prevê a existência de um Juiz para cada uma destas Comarcas.

Aqui chamamos atenção para o fato de que os Juízes trabalham muito, muito mesmo, acima do máximo que se entende por aceitável.

Assim, achamos pouco uma distribuição de 500 processo por ano por Juiz (que não justificaria um Juiz na Comarca), número que é entendido como máximo aceitável por vários organizações internacionais; e temos por normal uma distribuição de mais de 5.000 processos ao ano para apenas um Juiz.

É fato que nenhuma Comarca do Estado de Minas Gerais possui distribuição anual inferior a 500 processos, sem considerar o Juizado Especial, conforme “Relatório de Movimentação Processual de 2008”, disponibilizado na intranet da página do TJMG, sendo que a maioria tem distribuição superior a 1.000 processos/ano.

Ressaltamos, também, o número de habitantes por Juiz em vários países:

Bélgica - 8.380; França - 9.159; Itália - 7.987; Luxemburgo - 3.238; Holanda - 9.323; Portugal - 8.199; Espanha - 11.681; Alemanha - 3.918; Suiça - 6.917; Brasil - 15.384(Carlos R. Zahlouth Júnior. Em http://members.tripod.com/~ZahlouthC/arbitra.htm. Consulta em 17/09/2007)

Como poderemos constatar na página do IBGE (www.ibge.gov.br), quase todas as Comarcas de Primeira Entrância de Minas Gerais possuem mais de 15.000 habitantes.

Portanto, os números indicam que todas as Comarcas de Minas Gerais não só justificam a presença de um Juiz como este teria muito trabalho, mesmo nas Comarcas com menor distribuição, acima da média nacional e internacional.

Prevê a LC 59/2001, em eu artigo 10, número suficiente de JDS para tal tarefa, veja-se:

§ 5º Os Juízes de Direito Substitutos, em número de duzentos e dez, sessenta dos quais destinam-se aos Juizados Especiais, têm sede na Comarca de Belo Horizonte.

Não há que se falar em falta de número de Juízes suficientes no Estado para provimento das vagas de Primeira Entrância, posto que todas as Comarcas têm previsão legal de Juiz de Direito para compô-la, conforme LC 59/2001, além das vagas de JDS.

Ainda, com a publicação dos editais, haveria, na maioria das Comarcas, apenas a titularização dos Juíz.

Recentemente, o egrégio TJMG, através da Resolução 613/2009, criou 40 vagas de Juiz de Direito Auxiliar de Entrância Especial, demonstrando que Juízes no estado existem.

Ressaltamos, fazendo coro com o Excelentíssimo Desembargador Kildare Carvalho, que:

Daí assumir fundamental importância o exame das garantias dos magistrados, eis que necessárias para a preservação da sua independência, autonomia e dignidade, afastando-se assim da influência comprometedora dos outros Poderes do Estado e dos próprios particulares. (Obra citada. P. 662)

Não podemos falar em nome de todos os JDS do Estado, mas temos contatos com muitos, que possuem a mesma opinião que abaixo será exposta.

Vivemos diariamente a condição de Juiz de Direito Substituto, nomeado pelo Tribunal para responder por uma Comarca, sem ser titular, posto que não aberto edital.

A LC 59/2001, que dispõe:

Art. 54. Compete ao Juiz de Direito Substituto exercer as funções que lhe conferir o Presidente do Tribunal de Justiça.

Não seríamos justo se não reconhecêssemos que nosso Presidente sempre se mostrou atencioso e preocupado com o bem estar dos Juízes, mesmo quando ainda responsável pela Gerência da Magistratura, sempre nos atendendo quando possível.

Porém, tal fato não é capaz de substituir a segurança da inamovibilidade, que hoje somente é reconhecida com a titularização do Magistrado em uma Comarca ou Vara, posto que, até então, exerce ele o cargo de Juiz de Direito Substituto, livremente nomeado pelo Presidente para exercer função em qualquer local do Estado.

A situação que se apresenta é vista com maus olhos pelos JDS, ao menos com todos com os quais conversamos, e foram muitos.

De um lado, no plano profissional, ocorre a falta de perspectiva a longo prazo, necessária para planejamento dos trabalhos e maior envolvimento social na Comarca.

No plano familiar, vivenciamos há anos, com esposa e filhos, a angústia de não possuirmos a garantia da inamovibilidade, de não sabermos se mudaremos hoje ou amanhã, sem podermos construir uma casa, laços comunitários, ou garantir a continuidade do estudo dos nossos filhos.

Estas reclamações já ouvimos de dezenas de JDS, e de suas esposas ou esposos.

O fato de não serem abertos editais para Primeira Entrância acaba por inibir os juízes que tenham vocação de viver em pequenas cidades de se satisfazerem profissionalmente de forma plena.

Muitos Juízes estão iniciando “carreira” e se inscrevendo para Comarcas de Segunda Entrância, num caminho sem volta que poderá frustrar um bom profissional, apenas para garantir a inamovibilidade e ter estabilidade.

Assim, entendemos, salvo melhor juízo, que deveria ser rompido o status quo, com a publicação dos editais de provimento para todas as Comarcas de Primeira Entrância do Estado de Minas Gerais.

Essa atitude seria uma homenagem ao princípio da legalidade e atenderia aos interesses dos Juízes de Direito Substitutos do Estado de Minas Gerais, mas, primordialmente, serviria de alento aos Jurisdicionados.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais deve ser o baluarte das garantias Constitucionais dos Magistrados, possibilitando que os Juízes do Estado não fiquem alijados de sua garantia da inamovibilidade.

As garantias constitucionais do Judiciário, institucionais ou funcionais, estão diuturnamente sofrendo ataques, inclusive com vários projetos de lei em andamento buscando a sua extirpação do Ordenamento Jurídico. Nós, Juízes, de todos os graus, devemos lutar pelas nossas garantias, e não descansar até que sejam todas efetivadas.

Que o novo tempo venha breve.

* Juiz de Direito Substituto que responde pela Comarca de Campos Gerais, MG.