O jornal Estado de Minas de hoje, 28, publicou o artigo “Pena de morte jamais”, de autoria do desembargador Herbert Carneiro, vice-presidente Administrativo da Amagis e vice-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPC).



PENA DE MORTE JAMAIS

Desembargador Herbert Carneiro – 4ª Câmara Criminal Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)


Se perguntado, o cidadão brasileiro certamente dirá que, em nosso país, não tem pena de morte. Não é bem assim. O Brasil, a despeito de não aplicar pena de morte de longa data, é considerado um país abolicionista somente para delito comum, por prever pena de morte em casos de guerra declarada, consoante se extrai do texto constitucional em vigor (art.5º, XLVII). Nos termos do artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal, a vedação da pena de morte é cláusula pétrea, ou seja, não é passível de emenda constitucional no sentido de permitir que ela venha novamente a ser aplicada em outros casos.

No entanto, permanece a previsão da pena de morte no Código Penal Militar (Decreto-lei nº. 1001 de 21/10/1969), para inúmeros crimes, sempre em caso de guerra. Quase todos os crimes praticados em tempo de guerra têm previsão de pena de morte, mesmo aqueles que, em tempo de paz, teriam penas até diminutas. Elencamos, dentre outros, os seguintes: traição (art.355), favorecimento ao inimigo (art. 356), espionagem (art. 366), motim (art. 368), dano especial (art. 383), abandono de posto (art. 390), homicídio (art. 400), genocídio (art. 401) e roubo (art.405), etc. Assim, desde um roubo até um crime de dano há autorização de pena capital.

Importante registrar que, a despeito da decisão da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 ter sido majoritariamente desfavorável à pena de morte, sucessivas pesquisas de opinião pública mostraram que a pena de morte tem grande suporte popular, tal como aconteceu, em 2007, logo após o terrível assassinato de uma criança em uma tentativa de sequestro no Rio de Janeiro (caso João Hélio), quando 55% dos entrevistados aceitavam a pena capital como instrumento de combate àquela modalidade criminosa. Isso bem mostra que a ação da mídia e casos de crimes episódicos terríveis têm influência decisiva na opinião pública do país.

Sob outro prisma, não deve passar desapercebido da população, especialmente a mais carente, que majoritariamente clama pela exacerbação da pena no Brasil, é que a execução da pena de morte, como ocorre nos demais países que a aplicam, sempre acaba por recair sobre os desfavorecidos. No Brasil não é diferente com a pena privativa de liberdade, de cada 100 condenados: 95 são pobres, 65 são negros e 35 com “ocupação mal definida”, índices que certamente seriam repetidos em caso de aplicação da pena capital.


Não há qualquer dado seguro que garanta a dissuasão penal por meio da pena de morte, seja em tempo de paz, seja em tempo de guerra. As pesquisas estrangeiras e nacionais estão a demonstrar que a exacerbação da pena privativa de liberdade e a previsão da pena de morte são medidas inócuas para a intimidação eficiente da criminalidade. No Brasil, a Constituição Federal consagrou o respeito incondicional à dignidade da pessoa humana, e mais, os erros judiciais – alguns já ocorridos – serão sempre irreparáveis, quando se tratar da pena de morte.

O Brasil, a exemplo de outros países, encampa a luta internacional pela abolição da pena de morte em escala mundial e, em assim sendo, não nos parece justificável que tenhamos que integrar as estatísticas dos países abolicionistas para delitos comuns, quando os principais regimes democráticos do mundo tornaram-se abolicionistas para todos os crimes. Destarte, urge a supressão da parte final da aliena “a” do inciso XLVII, do artigo 5º da Constituição da República, para que a redação venha a ser o que todos os humanistas sonham para o mundo: não haverá Pena de Morte, em qualquer hipótese!