Augusto Vinícius Fonseca e Silva*

A Lei n. 13/5/2015 instituiu o novo Código de Processo Civil do Brasil.Mais do que suceder os Códigos de 1939 e de 1973, o atual CPC brasileiro inovou ao inaugurar suas disposições, logo no Livro I de sua Parte Geral: em um título único, traçou, em rol não-taxativo, as normas fundamentais do processo civil, mais precisamente em seus arts. 1.º a 12.

O ministro Luiz Fux (presidente da Comissão de Juristas criada para elaborar o anteprojeto do NCPC), justificando a adoção de uma principiologia para o novo Estatuto, dissertou: “o exsurgimento dos princípios maiores, inseridos na Carta Federal de 1988, introduziu o sistema jurídico brasileiro no positivismo moderno que não mais se reduz a regras legais, senão, e, principalmente, compõe-se de princípios maiores que representam o centro de gravidade de todo o sistema jurídico. Nesse segmento, destacam-se os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da impessoalidade, da eficiência, da duração razoável dos processos, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da efetividade, da tutela específica e tempestiva e do acesso à ordem jurídica justa, dentre outros, à luz da concepção jusfilosófica que os acompanham. O novel código, seguindo a linha exegética da Constituição Federal, erigiu normas in procedendo destinadas aos juízes, sinalizando que toda e qualquer decisão judicial deve perpassar pelos princípios plasmados no tecido constitucional e ínsitos ao sistema processual como forma de aproximar a decisão da ética e da legitimidade. Em outras palavras, a Comissão preocupou-se em fazer do processo um instrumento de participação democrática, em que o juiz, ouvindo e dialogando com as partes e interessados, promova uma decisão efetivamente apaziguadora”. (O Novo Processo Civil. In O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa (Reflexões acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil). Luiz Fux (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 13-14). 

O teor de ditas normas, percebemos, é de fundamentalidade ímpar e acaba por vincular todos os ramos de processo e não apenas o civil, sobremodo porque descendem do sobreprincípio constitucional do devido processo legal (CF, art. 5.º, inc. LIV ). Daí enxergarmos nela um caráter pamou meta processual, que tem o potencial de se espalhar a todo tipo de processo.

Logicamente, não se pode deixar de observar as peculiaridades de cada ramo, mas também não se pode ignorar o esteio comum a todo processo – entendido como método de trabalho (instrumento ou meio e não um fim em si mesmo) que o Estado põe à disposição das partes para resolver suas controvérsias, com foco na justiça do caso concreto (STJ, REsp 667.002) -, que encontra ressonância em tais normas fundamentais. 

Não há que se cogitar de hiato normativo em cada ramo para advogar o caráter expansivo das normas fundamentais, já que não alvitramos uma aplicação supletiva ou subsidiária daquelas (art. 15 do CPC). O que defendemos é a tese de que há normas fundamentais no CPC cujo quilate forma uma teoria geral de normas processuais ou aquilo a que Fredie Didier Jr. chamou de Direito Processual Fundamental ou Direito Processual Geral, ou seja, um conjunto de normas processuais fundamentais (princípios e regras) que estrutura e secunda todo o modelo processual brasileiro. (Curso de Direito Processual Civil. 17 ed. Salvador: JusPodivm, 2015, v. 1, p. 61).

Nessa ordem de ideias, por exemplo, a boa-fé objetiva do art. 6.º do CPC estender-se-ia ao processo penal (STJ, HC 339.194), vedando-se, assim, a mentira do réu que, a pretexto de se defender, vale-se da inverdade. Ora, ampla defesa não é defesa ilimitada e o processo, meio estatal de solução de controvérsias, não compactua com mentiras. Se mente o réu, está agindo de má-fé e, portanto, ilicitamente, posto que em abuso do direito de se autodefender (CC, art. 187). Igualmente e pela mesma ratio, propugnamos incidir no processo penal a litigância de má-fé dos arts. 77 a 81 do CPC c/c art. 3.º do CPP, com o que discorda o STJ (HC 401.965), embora haja julgados de 2º grau acenando por tal possibilidade (TRF-4 - MS: 24328620134040000, pub. 14/11/2013). 

Enfim, a magnitude ínsita a algumas normas fundamentais dos arts. 1º a 12 do CPC faz delas expansíveis a todo tipo de processo, porque decorrência direta do superprincípio do devido processo constitucional e não se admite processo devido senão à ilharga de seus ditames.

(*) Juiz de Direito do TJMG; autor do livro Princípios Pamprocessuais ou Metaprocessuais – Normas fundamentais do CPC: princípios de todo processo (Editora JusPodivm, 2019).



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