Desembargador Luís Carlos Gambogi

Não obstante as precárias e desumanas condições dos presídios brasileiros, em se consultando os elementos disponibilizados pelos tribunais conclui-se que, enquanto os juízos criminais, a cada dia, valem-se mais e mais da prisão domiciliar monitorada eletronicamente por tornozeleira, o juízo civil, ao contrário, insiste em decretar a prisão civil em regime fechado diante da inadimplência da verba alimentar, cujo devedor tem grau de periculosidade zero.

O fundamento jurídico que alicerça a prevalência da prisão civil em regime fechado sobre a domiciliar monitorada por tornozeleira está na autorização constitucional ( art. 5º, LXVII, da CR) e no disposto no art. 528, §4º, do CPC, in verbis: “a prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns” .

Portanto, impõe-se reconhecer que o decreto de prisão do devedor de alimentos tem sólida sustentação jurídica. Ocorre que, à luz da interpretação teleológica e sistemática, não se nos parece possível interpretar o art. 528, §4º, sem considerar o disposto no art. 805 do CPC, “norma meio” nas palavras do Prof. Dierle Nunes, cuja redação preceitua que, na hipótese de execução, em havendo mais de um meio de se exigir a obrigação, adotar-se-á o meio menos gravoso ao devedor. O dispositivo é assim interpretado pela doutrina:

“[...] prevê o art. 805 do CPC, que, sempre que a execução possa desenvolver-se por mais de um meio, deve-se optar por aquele que seja menos gravoso ao executado. Ou seja, se coexistirem várias técnicas de efetivação judicial das prestações que tenham o mesmo grau de eficácia, então não se justifica o emprego da técnica mais onerosa ao executado, sob pena de transformar-se a execução em simples mecanismo de desforra do credor. [...] sempre que coexistirem mais de um mecanismo igualmente hábil para esse resultado efetivo, deve-se sempre optar pelo caminho menos gravoso ao executado.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, v. 2, p. 714/715).

Não bastasse a superlotação do sistema prisional de nosso país, que, segundo dados do CNJ, conta com 719.969 presos no Brasil (Fonte: CNJ/BNMP 2.0 - Cadastro Nacional de Presos, 2018 – Acesso em: 10 jul. 2019), número que inviabiliza que o encarceramento do devedor alimentar se dê numa cela apartada dos homicidas, dos membros de quadrilha organizada, dos latrocidas, dos estupradores e demais criminosos de alta periculosidade. Ademais, no tocante à eficácia do decreto de prisão, cabe pontuar que, em consulta ao sistema de mandado, em julho de 2019, apurou-se que 389.049 ordens de prisão aguardam cumprimento (Fonte: CNJ / Banco Nacional de Mandados de Prisão – BNMP – Res. n. 37 – Acesso em: 10 jul. 2019), sendo que, somente em Minas Gerais, este número chega a 31.453 ordens de prisão expedidas.

No que tange à eficácia do uso de tornozeleiras, como substituto da prisão, nosso Tribunal, até o momento, expediu três ordens, uma delas já confirmada pela 5ª Câmara Civil. Das três expedidas, um devedor apresentou um apartamento como caução; outro, ofereceu caução de objetos móveis, que estão sendo avaliados pelo Juízo a quo; e o terceiro, que não se apresentou para que lhe fosse implantada a tornozeleira, terá a medida convertida em prisão se não se apresentar até 11/julho/ 2019. Não bastassem as razões jurídicas e humanitárias, sob o ponto de vista financeiro, enquanto o Estado consome R$ 2.640 reais por mês com um detento, a tornozeleira lhe custa de R$164,00 reais/ mês.