Fernando Armando Ribeiro*
Vivemos um tempo em que se cultiva a velocidade, e sob o ritmo implacável das máquinas, deixamos marcar nossas vidas pelo compasso da pressa. O hoje torna-se mero prenúncio de um amanhã que passa tão rapidamente, que parece, às vezes, nem de fato acontecer. Como constata Max Weber, houve um tempo, entre os povos da Antiguidade, em que o ritmo da vida era marcado pela visão de um processo circular.
Todavia, o império do ontem foi profundamente invertido pelos tempos modernos, em que, sob a égide da era industrial e sob o comando de artefatos técnicos e, depois, mais profundamente ainda, das novas tecnologias de informação, acelerou- -se nossa percepção do tempo, deixando-se o passado relegado a mera peça de museu, acessório quase que dispensável.
A renovação incessante de elementos a serem conhecidos, possuí- dos, compreendidos ou dominados é tamanha que, muitas vezes, nem sequer nos damos conta dos passos ou das conquistas obtidas.
Parece que estamos mesmo a caminho de nos tornarmos aquilo que Hannah Arendt denunciava como o homo faber, o homem completamente exaurido e alienado na dimensão de um trabalho que se converte em simples processo de produção, e cujos bens por ele produzidos, seja no campo da tecnologia, da ciência ou mesmo das artes e das letras, têm por característica principal sua fungibilidade perene, vale dizer, tornarem-se consumíveis e esquecíveis, tão logo tenham sido produzidos.
Não nos damos conta, porém, de que o fenômeno do tempo, c o m p l e x o e multidimensional que é, não nos permite uma visão recortada ou fragmentada de seu ser. Terminamos por esquecer que se todo o tempo é p r e s e n t e , este se deve revelar numa composição triádica — passado-presente-futuro —, que apenas numa trama conjunta se pode realizar. O esquecimento do ontem pode trazer- -nos sérios riscos.
Não riscos econômicos ou militares, mas riscos existenciais. Pois corremos o risco de esquecer que o tempo é uma das matérias de que somos realmente feitos. Muito mais do que dinheiro — como reza o brocardo capitalista do “time is money”—, é chegada a hora de compreender que “time is life”! Tempo é vida!
A visão fragmentária sobre o tempo precisa e pode ser superada. E ainda é tempo de fazê-lo. Instituições como as Academias são, a meu ver, local propício para nos lan- çar nesta tarefa. Pois é preciso aguçar nossa consciência, aquietar a azáfama do dia a dia, para entrarmos na dimensão da verdadeira serenidade, a qual é ativa e não passiva, e permite-nos contato autêntico com o mundo e com as coisas. Por meio dela, abrimo-nos a voz de um passado que nos fala.
“Procuro um homem!” — era o brado contumaz de Diógenes a todos os que, perplexos, não compreendiam o gesto simbólico do filósofo, perambulando de dia pelas ruas da cidade com uma lamparina acesa. Também em nossos dias, quantos, em meio à faina avassaladora de metas, números e gestão, já não terão sentido crepitar em si a mesma pergunta angustiante e angustiada que, há mais de dois milênios, movia o filósofo Diógenes: “Procuro um homem!”. Pois não encontrar o ser humano nos processos pode ser ainda mais trágico e avassalador que não encontrá-lo na cidade!
Construída em espaço sagrado, um bosque de olivas dedicado à deusa da sabedoria — Atena —, a Academia seria o lugar do encontro entre aqueles que se dedicavam ao pensar e ao saber. Espaço de cultivo da chama - da “vida contem - p l a t i v a ” , ou vida teórica (bios theoretikos), por oposição à vida ativa, ou vida prática. A “vida contemplativa” deveria anteceder a “vida ativa”, pois, enquanto esta se mostra inevitavelmente presa ao reino das necessidades, a vida contemplativa constitui o espaço para construção racional e intelectual que guia o indivíduo na busca de seus bens maiores, como a sua liberdade.
É válido lembrar que a construção do Direito e da Política no Ocidente resultou sempre da conjugação destes dois grandes vetores, “vida ativa” e “vida contemplativa”, os quais, longe de se excluírem, reclamam- -se, pressupõem-se, completam-se mutuamente. O esquecimento das virtudes regentes de uma Academia pode trazer trágicas consequências ao Direito. É que os juristas, uma vez feitos reféns de açodado tecnicismo, terminam por legar a um quase esquecimento o complexo e sofisticado arcabouço de sentidos que estrutura e c o n f o r m a o Direito como ciência social e humana. A cruel estruturação dos ordenamentos nazifascistas no século XX é um trágico, radical e paradigmático exemplo.
Ademais, a efetividade da ação reflexiva das Academias é algo que não podemos desconsiderar. A história tem demonstrado a força das ideias e do pensamento como instrumento de transformação da realidade. Como nunca cansava de advertir o notável jurista Geraldo Ataliba, “nada mais prá- tico do que uma boa teoria”. Esta deve ser a mais importante missão das Academias para com o Direito nesses tempos conturbados: garantir a sua efetividade, sem jamais descurar de seu profundo compromisso humano.
* Doutor em Direito (UFMG); Professor da PUC Minas; Juiz do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais e Presidente da Academia Mineira de Direito Militar.
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