Há quem defenda que o estágio de civilização de uma nação pode ser medido pela qualidade de suas prisões. A deterioração dos ambientes carcerários e o mínimo investimento em ações sociais para os que ali se encontram reforçam a incitação à criminalidade desses espaços, em que direitos são considerados artigos de luxo e regalias.
A expectativa de transformação das pessoas recolhidas aos presídios do país é certa: contudo, para pior, o que, seguramente, se dará em detrimento de todos nós.
A sociedade é a principal vítima dessa desordem institucional que domina as carceragens do Brasil; locais onde se cultua a multiplicação das violações, das ilegalidades e dos abusos. Ninguém se dá conta de que o Estado perde a legitimidade do direito de punir ao patrocinar essas atrocidades. Admitir-se que a superpopulação dos presídios é algo tolerável também não é cômodo.
Aliás, pouco se pensa no custo do preso para o Estado. Levantamentos indicam que os quase 580 mil presos que ocupam os presídios, ao custo médio mensal de R$ 2.500 por preso, consomem todos os meses mais de R$ 1,4 bilhão. É um gasto excessivo que pouco colabora para "recuperar" essas pessoas.
Outra questão precisa de resposta: quem estamos prendendo? As estatísticas desnudam algo estarrecedor: aproximadamente 42% do contingente de presos que temos não são de condenados definitivos.
Estudos do Ipea sinalizam que 37% desses presos provisórios acabam absolvidos ou recebendo outro tipo de pena, que não a de prisão. Assim, prendemos mal e antecipamos a punição como prática corriqueira de Justiça. E, pior que isso, fazemos ao sabor de um instrumento que sempre foi tido como exceção. Desde a abertura democrática do país, aliás, nunca se prendeu tanto.
Não há mais como suportar esse modelo de administração de Justiça e de tolerância com condições infra-humanas de acautelamento prisional, sem qualquer comprometimento com a tão esperada "ressocialização" dos que experimentam o cárcere e sua aspereza.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) está em sintonia com essa realidade. Tem buscado, desde o primeiro dia de minha presidência, rediscuti-la com propostas de resultados, disseminando novas formas de funcionamento da Justiça criminal.
As audiências de custódia estão para demonstrar que o contato do juiz com aqueles que são autuados em flagrante faz a diferença na maneira de prender e manter presa uma pessoa provisoriamente.
Números da experiência modelo do projeto que nasceu no CNJ mostram, até agora, que aproximadamente 45% de prisões virtualmente desnecessárias foram evitadas.
O fomento e o incentivo à utilização de medidas cautelares alternativas, tornozeleiras eletrônicas e formas de mediação confirmam que é possível manter em liberdade pessoas que não representam perigo à sociedade, sem comprometer o ideário da segurança ou agravar o sentimento de impunidade.
O projeto "Cidadania nos Presídios", lançado na semana passada em Brasília, é mais ambicioso. A partir do cultivo de um diálogo entre atores que interagem na execução da pena e na administração das prisões, pensa-se em um conceito de justiça penal mais humana, valorizando a dimensão da pessoa submetida à presença do juiz.
Não haverá paz social para ninguém se não fizermos da dignidade e do respeito a todos, fora ou dentro de presídios, uma forma de atuação valorizada institucionalmente. É hora de avançarmos nesse plano.
RICARDO LEWANDOWSKI, 66, é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça
Fonte: Folha de São Paulo