Foi publicado pela Gazeta de São João Del-Rei, edição do último sábado, 7 de junho, artigo produzido pelo desembargador do TJMG, Rogério Medeiros Garcia de Lima, intitulado Trezentos anos.
Leia o texto abaixo:
Trezentos anos

No dia 4 de junho passado, realizou-se no Fórum Comarca de São João del-Rei solenidade comemorativa dos
trezentos anos da criação da antiga Comarca do Rio das Mortes, sediada em nossa cidade.
Com a minha participação pré-agendada no “I Seminário de Planejamento Sustentável do Poder Judiciário”, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, lamentei profundamente não poder testemunhar o evento em minha terra natal.
No entanto, tive a subida honra de contribuir com um texto para o livro que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais lançou sobre a efeméride.
Em breve resumo, podemos assinalar que, no final do século 17, ao se iniciar o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, foram descobertos os primeiros veios de ouro em Minas Gerais.
O centro econômico da antiga Colônia portuguesa foi deslocado do Nordeste para as terras mineiras. No lugar dos antigos engenhos, com suas casas-grandes e senzalas, surgiram e prosperaram centros urbanos. Um dos mais prósperos, desde então, é a pujante cidade de São João del-Rei.
Com efeito, no limiar do século 18, o bandeirante Tomé Portes del-Rei, paulista de Taubaté, acampou às margens do Rio das Mortes, no local chamado “Porto Real da Passagem”, onde se atravessava o curso d’água em pequenas embarcações. Seria fundador do Arraial Novo, embrião de nossa cidade, Antônio Garcia da Cunha, genro e sucessor do bandeirante taubateano (cf. Fábio Nelson Guimarães, cit. por Antônio Gaio Sobrinho, Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes, 2013).
O diminuto núcleo nascente prosperou subitamente, quando foram descobertas jazidas de ouro na região do Córrego do Lenheiro.
A cobiça pelo precioso metal provocou a Guerra dos Emboabas, conflito sangrento entre paulistas e portugueses. “Emboaba” – ou “perna cabeluda” - era a designação pejorativa aposta aos portugueses e forasteiros, que vieram disputar as minas de ouro.
Em meio aos encarniçados combates ocorreu o legendário episódio do Capão da Traição. Os paulistas, diante da ardilosa promessa de trégua dos “emboabas”, depuseram armas às margens do Rio das Mortes. Os portugueses e aliados, escondidos em um matagal (ou capão), abriram fogo contra os paulistas. Inúmeros deles quedaram mortos.
Em 08 de julho de 1713, o arraial foi elevado a vila pelo governador de Minas e São Paulo, D. Braz Baltazar da Silveira (cf. Augusto Viegas, Notícia de São João del-Rei, 1969).
Em 1714, foram criadas as primeiras comarcas mineiras: Vila Rica, com sede em Ouro Preto; Rio das Velhas, em Sabará; e Rio das Mortes, em São João del-Rei. Esta última, detinha jurisdição, a oeste, sobre interminável“sertão desconhecido” (Augusto Viegas, ob. cit.).
Ao longo desses três séculos, São João del-Rei manteve protagonismo em eventos históricos. Basta mencionar, exemplificativamente, que é berço natal de Tiradentes e Bárbara Heliodora, herois da Inconfidência Mineira.
Abriga o 11º Batalhão de Infantaria (Regimento Tiradentes), o qual, durante a II Guerra Mundial, teve participação destemida na tomada de Montese (Itália). Por fim, nos anos 1980, em pleno processo de redemocratização, oferecemos ao Brasil a iluminada figura de Tancredo de Almeida Neves.
São João del-Rei sempre se destacou como berço de notáveis magistrados, promotores de justiça, advogados e serventuários da justiça.
Entre os magistrados são-joanenses, permito-me destacar a grande figura do jurista e professor João Martins de Carvalho Mourão, ministro do Supremo Tribunal na década de 1930 e único conterrâneo a ocupar o mais alto
cargo judiciário nacional.
Entre os juízes que aqui atuaram, peço licença para citar o saudoso Dr. Cândido Martins de Oliveira Júnior, depois desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Era jurista, literato e inigualável figura humana.
Presidiu, por vários anos, a Academia Mineira de Letras. Deixou fortes laços familiares e afetivos na cidade.
Entre os promotores de justiça, destaco o jovem Tancredo de Almeida Neves, Tobias Rodrigues de Mendonça Chaves - nascido na vizinha cidade de Coronel Xavier Chaves e posteriormente Procurador-Geral de Justiça do
Estado - e Luiz Fernando Mendes Salomon, muito estimado na comunidade.
Dos inúmeros advogados que aqui atuaram e atuam com brilho, evoco as inapagáveis figuras de Belisário Leite de Andrade Netto e Matheus Salomé de Oliveira.
Entre os serventuários da justiça, por fim, homenageio a escrivã Maria de Lourdes Baccarini Viegas, dona Lula, hoje aposentada e admirada por todos nós. Relembro também, com imensa nostalgia, o amigo Luiz Antônio de Carvalho Mauro (1946-2010). Sua folclórica e bondosa figura era conhecida pelo estapafúrdio apelido de “Demônio”.
As modernas instalações do novo Fórum foram inauguradas em 1º de julho de 2011. Na ocasião, foi prestada justa homenagem ao saudoso desembargador, são-joanense adotivo e ex-presidente do TJMG José Costa Loures, pelo incansável empenho em prol da edificação do novo prédio.
Desde a criação da vetusta Comarca do Rio das Mortes até os tempos atuais, a histórica cidade de São João del-Rei experimentou notável progresso urbanístico e econômico, refletido também nas dimensões atuais da comarca e no vanguardismo das instalações do Fórum “Carvalho Mourão”.
Os magistrados, promotores de justiça, advogados e servidores de justiça, atuantes na Comarca de São João del-Rei, estão à altura de enfrentar o enorme desafio de distribuir a justiça democrática no século 21.