Vinícius Júnior e sua luta contra o racismo

Leopoldo Mameluque*

Desde abril de 2021, Vinícius Júnior vem sendo vítima de vários episódios de racismo nos estádios da Espanha especialmente por parte de torcedores do Barcelona, do Mallorca, do Atlético de Madrid, do Valladolid, do Osasuna e do Betis, rivais do seu atual clube de futebol, o Real Madrid.

Dentre as agressões destacam-se o fato de os torcedores destas associações futebolísticas xingarem Vinícius Júnior de macaco, dentro e fora do campo, além de pendurarem um boneco alusivo à sua pessoa, enforcado em uma ponte próxima ao estádio do Real Madrid e de colocarem faixas nas ruas com dizeres odiosos a seu respeito.

Verifica-se, portanto, que o racismo existe até mesmo em sociedades civilizadas e sobrevive aos dias atuais. É o que se vê não só na Espanha, mas em vários países do mundo. Os povos negros, especialmente os afrodescendentes, experimentaram, em virtude da sua cor, todo tipo de discriminação e sofrimento, tanto físico quanto mental, quase que ao longo de toda a sua existência.

As origens da discriminação racial estão frequentemente associadas ao período da escravidão, especialmente a ocorrida com os povos negros africanos por parte de colonizadores, que se valiam de mão de obra barata e acessível em praticamente todo os rincões do mundo.

Embora houve inúmeras discussões no início do século XIX, no campo da antropologia, sobre o estudo das raças, naquele período, as ideias da eugenia, do melhoramento da raça e da supremacia de uma delas sobre a outra foram as que mais contribuíram para que os negros, especialmente os descendentes de africanos, experimentassem um longo e penoso caminho em busca da igualdade e da plenitude de direitos e garantias, ainda não assegurados.

Some-se a esta discriminação racial, de forma a agravar ainda mais este quadro, a questão do desnivelamento social criado pela separação ocorrida ao longo dos séculos entre ricos e pobres e entre nobres e plebeus. O fato é que Vinícius Júnior, além de ser negro, também nasceu de família humilde, no país das bananas, o Brasil latino-americano, tornando-se também vítima da discriminação em razão da sua condição de pobreza inicial.

O Antropólogo e educador Darcy Ribeiro, em seu memorável livro o Povo brasileiro, descreveu a rotina de sofrimento dos nossos escravos negros: “Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinquenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso”.

Não se imagina rotina diferente de um escravo negro, igualmente subjugado ao domínio de um Senhor, naqueles tempos em outros países.

Vinícius Júnior é mais um destes tantos negros maltratados, discriminados, despojados de sua condição humana, simplesmente por sua herança de cor e de pobreza. Ao reagir às agressões que seus algozes repetidamente lhe impingem, ele repete a história de vida e de dignidade de tantos negros que, como ele, não aceitaram os insultos, os açoites e a escravidão e reagiram à opressão e à violência com que sempre foram tratados, com luta e irresignação.

Devemos buscar uma sociedade humana, justa e solidária e “reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas” como preconizado no preâmbulo da Carta das Nações Unidas, de 1945.

Vamos nos solidarizar com Vinícius Júnior e com sua luta e não permitir que as agressões contra ele continuem. O racismo é uma das formas mais odiosas de crime contra a pessoa humana e contra ele devemos lutar, de forma intransigente e com todas as nossas forças, não aceitando a covardia dos que o praticam a todo tempo, quase que impunemente.

 

* Juiz de Direito no Estado de Minas Gerais e autor do livro Black’s Protection Against color-based race discrimination in the American Civil Right Act of 1964 and in the Brazilian Racial Equality Statute.