O princípio básico do Direito diz que ninguém pode se valer da própria torpeza para obter benefício. Este foi um dos fundamentos que levou a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter, na íntegra, sentença que negou pedido de reparação moral movido por um homem que assassinou sua ex-amante no decorrer de um processo de danos morais movido contra ela. Com a morte da mulher, o autor da ação dirigiu o pedido de R$ 51 mil de reparação aos herdeiros, o que foi negado em primeira instância.
Antes do crime, ele havia reclamado que as “perseguições” da mulher, para manter o relacionamento, abalaram sua imagem perante à família e amigos na cidade onde vive. O relator da apelação, desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, considerou completamente descabida a “pretensão compensatória”, já que não há demonstração que o autor tenha sido ofendido na sua esfera moral.
O magistrado observou que o autor assumiu o risco das consequências negativas que poderiam resultar de um caso extraconjugal, tais como discussão e ciúmes, inclusive com reflexos no contexto familiar. “Ilógico proceder-se em uma compensação pecuniária a título de dano moral — a qual é caracterizada por violação a direito de personalidade da parte — quando, a bem da verdade, foi o requerente quem acabou por violar a sua própria honra e imagem ao cometer a mais bárbara das ofensas ao tirar a vida”, escreveu no voto.
Pestana fechou o voto, citando o parecer do procurador de Justiça Paulo Aguiar Teshneiner. Ele registrou, com perplexidade, que o homem deu continuidade à ação mesmo após o crime — algo que, “se não é vedado por lei (....), revela imensa insensibilidade e frieza”.
Romance conturbado
A vítima, uma médica paulista de 39 anos, divorciada e com dois filhos, envolveu-se com o homem que conheceu no Orkut, em 2007. Sempre que podia, ela se deslocava de Pindamonhangaba (SP) até a cidade de Torres, no litoral norte gaúcho, para se encontrar com o amante, um marceneiro casado há mais de dez anos.
A relação entre ambos, contudo, era muito conturbada. Conforme a imprensa local, ele agrediu a mulher uma vez. E ela invadiu por três vezes a casa do amante, ofendendo sua esposa. A Delegacia de Polícia da comarca também registra 10 Boletins de Ocorrência envolvendo briga entre os dois.
As brigas eram de conhecimento público. No Orkut, Silva deixou um recado para a médica, chamando-a de “criatura rejeitada e imunda”. Na publicação, ele reafirma seu amor pela esposa: “Enquanto você vive sozinha e deprimida, eu vivo feliz ao lado do grande e único amor da minha vida!”.
Mesmo rejeitada, a médica insistia no relacionamento, que já durava três anos. Para ficar mais perto do amante, ela alugou uma sala em Torres, pois pretendia se mudar com os filhos. No dia 10 de junho de 2010, em frente à futura loja, ela discutiu com o marceneiro. O homem a matou com 20 facadas, que atingiram o rosto, pescoço, tórax e um dos braços. O caso teve ampla repercussão, inclusive com cobertura nacional pelas TVs.
Dano moral
Antes do crime, o marceneiro havia ingressado com ação indenizatória por danos morais contra a ex-amante, em razão ter a sua “reputação maculada em razão das atitudes escandalosas”. Afinal, segundo alegou, independentemente de ser casado e de ter mantido relacionamento extraconjugal, a amante não tinha o direito de ameaçar-lhe ou ofender-lhe gravemente.
Coma morte da mulher, a demanda foi dirigida a seus herdeiros, que contestaram. Em preliminar, arguiram ilegitimidade passiva do espólio. Pediram a suspensão do processo até o fim da ação penal. O juiz André Sühnel Dorneles deu razão aos herdeiros e julgou improcedente a ação movida pelo homem, utilizando, como razões de decidir, o parecer do promotor de Justiça Márcio Roberto Silva de Carvalho.
Segundo a peça, os autos não trazem a comprovação de abalo de imagem do autor. Nem que as ameaças e ofensas, descritas no processo, tenham afetado sua credibilidade com aqueles com que convivia. E mais: as ofensas eram mútuas. Se houve abalo à imagem do autor na cidade, continua a promotoria, este se deu em razão do violento homicídio praticado contra a mulher, que gerou enorme repercussão.
“Eventual procedência da presente demanda, por certo, ocasionaria o absurdo de fazer com que os filhos da demandada, assassinada pelo autor de forma covarde e bárbara no Centro desta cidade, pagassem a este valores pecuniários a título de ‘abalo psicológico’, quando, na verdade, estes é que é foram tolhidos da presença materna em face do hediondo homicídio praticado pelo autor”, concluiu o parecer do MP.
Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Fonte: Conjur/Jomar Martins