Ajuda usada com frequência pelo Supremo Tribunal Federal para escutar representantes da sociedade e reunir argumentos técnicos que auxiliem na tomada de decisões, a audiência pública servirá agora ao tribunal para discutir o cumprimento de penas em regime menos gravoso nos casos em que o Estado não tem vagas suficientes para acomodar presos no regime semiaberto. Relator de recurso que trata do assunto, o ministro Gilmar Mendes, do STF, convocou o debate para colher depoimentos de autoridades e demais interessados sobre o sistema penitenciário.

A matéria chegou à corte por meio de Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que contesta acórdão do Tribunal de Justiça do estado que fixou prisão domiciliar de um condenado "enquanto não existir estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atenda todos os requisitos da Lei de Execução Penal", diz a decisão. O STF reconheceu a repercussão geral do tema.

"Tendo em vista as consequências que a decisão desta corte terá em relação a todo o sistema penitenciário brasileiro, com inevitáveis reflexos sobre os atuais regimes de progressão prisional; os questionamentos que essa discussão poderá suscitar em relação à individualização e à proporcionalidade da pena e ao tratamento penitenciário, que impõe o estrito cumprimento da Constituição, de pactos internacionais e da Lei de Execuções Penais; bem como a necessidade de se conhecer melhor as estruturas e condições dos estabelecimentos destinados, em todo o país, aos regimes de cumprimento de pena e às medidas socioeducativas, convoco audiência pública para o depoimento de autoridades e membros da sociedade em geral que possam contribuir com esclarecimentos técnicos, científicos, administrativos, políticos, econômicos e jurídicos sobre o tema", disse o ministro em despacho na última segunda-feira (25/2).

À ConJur, Gilmar Mendes explicou que, “diante da falta de estabelecimentos adequados, precisamos de uma visão mais completa da situação criminal.”

É comum, ao passar de um regime para outro após fazer jus ao direito de progressão, que o condenado em regime fechado se depare com a falta de vagas no semiaberto para cumprimento do restante da pena. As soluções são diferentes em cada caso e partem da convicção de cada juiz — alguns passam o condenado diretamente para o regime aberto ou domiciliar, acreditando que a demora na transferência resulta em constrangimento ilegal. Outros mantêm o regime fechado.

A falta de vagas para no sistema penitenciário é confirmada pelos dados publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça (Depen/MJ). Até junho de 2012 — última data de publicação no site —, a quantidade total de presos era de 508 mil. Já o número de vagas era de 309 mil. Entre os presos, 191 mil são provisórios.

Apesar de os números do Depen não identificarem em separado a deficiência de vagas no semiaberto, revelam que a população carcerária nesse regime mais que dobrou. Em 2003, eram 30.929 detidos. Em 2009, chegou a 66.670. No regime fechado, eram 139.057 presos em 2003, e 174.372 em 2009. No caso dos homens, a maior parte das condenações é por roubo (29%), enquanto que, no das mulheres, é por tráfico (59%).

O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Erivaldo Ribeiro dos Santos afirma que as duas soluções — conceder prisão domiciliar ou manter em regime mais rigoroso — são ruins e descumprem a lei e a Constituição Federal, que pressupõem o avanço da individualização da pena. “A situação inadequada não atende à sociedade e ao interesse social, e nem ao próprio apenado, que tem regime submetido a irregularidade”, reconhece.

No entanto, o juiz lembra que já houve avanços que podem ajudar a encontrar uma solução. Segundo ele, as situações demonstradas são mais confiáveis e transparentes. “Temos mais acesso a denúncias de excesso de prazos, tratamento penitenciário inadequado e estamos divulgando todas essas informações.”

Sobre a superlotação, porém, Erivaldo Ribeiro afirmou que não houve progresso. “Continuamos com um déficit de vagas parecido ou igual a cinco anos atrás. Faltam vagas e a qualidade das vagas existentes é ruim.”

Para o desembargador Tristão Ribeiro, presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, a solução é única: “O Estado deve disponibilizar as vagas e fazer as remoções com mais rapidez.” Ele conta que, quando depara com a falta de vagas, sempre decide que o preso deve aguardar em regime fechado. “Caso não houvesse demora excessiva, não seria considerado constrangimento ilegal.”

Já para o professor Miguel Reale Junior, ex-ministro da Justiça, deve haver a transferência para o regime aberto, uma vez que o preso não pode permanecer no regime fechado se tem direito a progressão.

Segundo ele, é no regime semiaberto que existe o “imenso déficit” penitenciário. “Eu sempre pautei a minha passagem pelo Ministério da Justiça com propostas de construção de estabelecimentos para o semiaberto, que são muito mais baratos e não têm tantas exigências de segurança, mas, infelizmente, a proposta não foi levada avante.”

Audiência Pública
Além do Presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, foram também convidados para a audiência no Supremo o ministro da Justiça; a ministra secretária de Direitos Humanos da Presidência da República; o procurador-geral da República; o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; e o defensor público-geral da União.

Entre as entidades com funções relativas à segurança pública e administração penitenciária foram convidados o Depen; o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; e o Conselho Nacional do Ministério Público, entre outros.

As entidades convidadas e outros interessados em participar da audiência devem requerer a inscrição em até 30 dias a partir da publicação do despacho, pelo email regimeprisional@stf.jus.br.


Fonte: Revista Consultor Jurídico