Tenho criticado, em vários textos da coluna Processo Novo, aquilo que se convencionou chamar de “jurisprudência defensiva”, prática que foi definida como a criação, pelos tribunais, de “entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos”.

Penso que devem ser buscadas alternativas tendentes a auxiliar os tribunais, reduzindo a excessiva carga de trabalho de seus juízes. A prática da jurisprudência defensiva, contudo, não é, nem deve ser, uma dessas saídas. Afinal, como definem seus próprios defensores, trata-se de algo que não encontra amparo na lei, ou, no mínimo, decorre de interpretação distorcida da lei, de que se faz uso com uma única finalidade: reduzir a quantidade de processos em trâmite nos tribunais.

Devemos caminhar em outro sentido, preocupando-nos não apenas com números, mas, também, com a qualidade da prestação jurisdicional. Trata-se de algo que mais se ajusta à ideia de processo justo, ou equitativo.

É digna de elogios, diante disso, a tendência oposta à jurisprudência defensiva, que procura dar rendimento a princípios processuais que, ao invés de enaltecer excessivamente a forma, operam com o intuito de realizar o direito material.

A forma não é mera técnica destituída de sentido. A forma como devem se passar os atos processuais é algo que propicia segurança a todos os sujeitos do processo. Por isso que, distorcida a função da forma processual, acaba-se caindo na jurisprudência defensiva, que simboliza nosso fracasso na tarefa de realizar as garantias mínimas do devido processo legal.

Bem compreendida a função da forma, porém, pode-se ir além, realizando e protegendo direitos fundamentais – não apenas através do processo, mas, também, no próprio processo.

Diante disso, merece destaque decisão recentemente proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial repetitivo relacionado aos requisitos do agravo de instrumento. O julgado consolidou orientação que vinha sendo manifestada pelo tribunal, no sentido de que “apesar de a certidão de intimação da decisão agravada constituir peça obrigatória para a formação do instrumento do Agravo (artigo 525, inciso I, do CPC), sua ausência pode ser relevada desde que seja possível aferir, de modo inequívoco, a tempestividade do agravo por outro meio constante dos autos”.

A razão para assim se decidir foi a seguinte: “o exagerado processualismo deve ser evitado de forma a que o processo e seu uso sejam convenientemente conciliados e realizados”. Trata-se, em poucas palavras, de aplicação pura e simples do princípio da instrumentalidade das formas.

No projeto de novo CPC há disposição que contempla solução similar à seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o agravante deve apresentar cópia “da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade” do agravo de instrumento (cf. art. 1.030, I, do projeto de NCPC, versão da Câmara dos Deputados, correspondente ao art. 971, I, da versão do Senado do projeto).

O projeto de novo CPC, no entanto, vai além, ao dispor que “antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível” (artigo 945, parágrafo único, do projeto, na versão da Câmara dos Deputados). Aprovado esse texto, o recorrente passará a ter direito à emenda do recurso, tendo em vista a previsão de uma espécie de juízo de admissibilidade “ordinatório”, em sede recursal.

O projeto de novo CPC, assim, vai ao encontro de decisões como a antes referida, que, se é verdade que não põem fim ao problema do formalismo exacerbado, dão passos importantes nesse sentido e, de certo modo, antecipam aquilo que, com a aprovação nova lei processual, poderá tornar-se uma realidade: o ocaso da jurisprudência defensiva.


Fonte: Conjur