Contar a mesma história, uma, duas, três vezes ou mais. Esse ritual é razoável quando se trata de histórias infantis contadas aos pequeninos. O insensato é quando a criança ou o adolescente fazem parte de um enredo agressivo, relatando fatos dolorosos várias vezes a adultos e autoridades diversas. Visando evitar essa situação em que os jovens vítimas ou testemunhas de atos violentos tenham que repetir oral e mentalmente a cena, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) planeja a inauguração do Centro Integrado de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte para outubro, local que comportará a sala de depoimento especial. O anúncio desse avanço na proteção dos direitos desses jovens é feito em plena comemoração dos 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 13 de julho.
A Lei 13.431, que entrou em vigor em abril deste ano, altera a lei que dispõe sobre o ECA e cria a obrigatoriedade da escuta especializada e do depoimento especial. Segundo a nova norma, “escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade, e depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária”.
A lei ainda menciona: “Qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência contra criança ou adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao conselho tutelar ou à autoridade policial, os quais, por sua vez, cientificarão imediatamente o Ministério Público”.
Para o presidente em exercício, desembargador Geraldo Augusto, a ação demonstra o engajamento do Judiciário na defesa dos direitos de todos, e, nesse caso em especial, dos jovens cidadãos que sofrem abusos e agressões. Ele lembrou que a Resolução 729/2013 já previa a instalação de uma vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente da Comarca de Belo Horizonte, mas não havia recursos para concretizar a ação.
“Assegurar que crianças e adolescentes já fragilizados não sejam expostos a excessiva angústia e ao sofrimento de recontar – e, portanto, reviver – experiências traumáticas é uma prova de que o legislador resguarda a infância e a juventude. Em Minas, onde o projeto já existia desde 2010, por iniciativa do juiz Flávio Schmidt, da Comarca de Muzambinho, que adotava a metodologia do depoimento especial, estamos dispostos a favorecer cada vez mais medidas como essa”, declarou.
De acordo com o 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), desembargador Wagner Wilson, esse centro é uma reivindicação antiga da sociedade. O magistrado, responsável pela viabilização do espaço por meio de parceria, acrescentou que essa unidade está sendo implantada em Minas Gerais num formato pioneiro no Brasil: “O espaço vai abrigar uma vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente e também toda a rede de proteção às vítimas. Nosso objetivo é não jogar na vala comum os crimes praticados contra crianças e adolescentes, visando à proteção dessas vítimas e a rápida responsabilização do agressor”.
Endereço
Demanda histórica de todos os que militam na seara da infância e da juventude, a Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescente será instalada na avenida Olegário Maciel, 515, em prédio cedido pelo Banco do Brasil para essa finalidade. Funcionará nos moldes de um centro de defesa, com sala de depoimento especial, representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, das polícias civil e militar, além de serviços afins da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Entre as competências dessa vara estão conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a criança e a adolescente do gênero feminino e os crimes praticados por adultos contra a criança e o adolescente, independentemente de gênero, ressalvada a competência dos Juizados Especiais e do Tribunal do Júri.
Sensíveis à importância dessa conquista, os Conselhos Municipal e Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte e de Minas Gerais deliberaram destinar recursos financeiros suficientes para que o prédio em questão atenda às peculiaridades de suas novas finalidades.
A Coordenadoria da Infância e da Juventude do TJMG, ao participar desse esforço conjunto, pretende garantir que se amplie a responsabilização de agressores de crianças e de adolescentes, na comarca de Belo Horizonte, e que se promova atendimento mais humanizado, acolhedor e protetivo às vítimas, além de desenvolver metodologia que permita a replicação dessa história para todo o Estado de Minas Gerais.
Fonte: TJMG