Os ministros do Supremo Tribunal Federal não conseguiram concluir o julgamento de dois Recursos Extraordinários, na sessão desta quarta-feira (3/3), para estabelecer se é da competência da Justiça do Trabalho julgar os conflitos que envolvam plano de previdência complementar privada, instituído pelo empregador, como decorrência do contrato de trabalho. A maior dificuldade é atribuir Repercussão Geral à decisão, pois os casos semelhantes sempre trazem peculiaridades que precisam ser consideradas pelos magistrados.
No RE 586.453, de relatoria da ministra Ellen Gracie, a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) alega a ilegalidade da decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que negou provimento a Agravo de Instrumento da entidade, assentando ser da competência da Justiça do Trabalho apreciar esse tipo de conflito. A entidade é acusada de não repassar aos aposentados os aumentos que a Petrobras concede aos seus funcionários. Mas, alega que a parcela paga, intitulada PL/DL 1971, não tem a mesma natureza jurídica da participação nos lucros prevista no artigo 7º, XI, da Constituição Federal, e, ainda, que teria ocorrido a prescrição parcial das parcelas relativas à diferença de complementação de aposentadoria. A Fundação entende que a competência para apreciar a causa seria da Justiça Comum.
O RE 583.050 tem como relator o ministro Cezar Peluso e o pedido é o inverso do caso anterior. O Banco Santander Banespa se volta contra acórdão proferido pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, afirmando a inexistência de relação de trabalho entre as partes e sim relação decorrente de “contrato previdenciário”, por unanimidade de votos, julgou procedente Agravo de Instrumento para declarar competente a Justiça Comum para julgar “ação de cobrança contra Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ)”.
O banco sustenta que a Justiça Comum não tem competência para julgar a ação, pois “a discussão de fundo se dá no campo do Direito do Trabalho e há um nítido debate acerca da aplicação das normas coletivas de natureza salarial”. Afirma, ainda, ter sido violado o “artigo 114 da Constituição Federal pelo não reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Comum”.
O julgamento
A ministra Ellen Gracie disse que a competência da Justiça trabalhista exige que a causa advenha de um contrato de trabalho e que a competência da Justiça Comum é firmada quando a causa não tem origem no contrato de trabalho.
Entretanto, causas semelhantes estão sendo decididas em ambas as instâncias. “Não é conveniente para o sistema judicial brasileiro que haja indefinição quanto ao foro competente dessas causas”, reconheceu. Entretanto, o caso analisado pela ministra, segundo ela, envolve trabalhador que não é mais empregado da Petrobras e não tem vínculo com a Fundação Petros.
A ministra afirmou que “a competência da Justiça trabalhista não pode ser definida levando em consideração o contrato de trabalho já extinto. Assim, entendeu que a ação compete à Justiça Comum, pois “o conflito é de natureza civil e não trabalhista”, disse a ministra. Ellen Gracie disse que há uma infinidade de causas semelhantes a essas e recomendou que os efeitos da Repercussão Geral fossem limitados aos processos em que haja sentença de mérito proferidas.
O ministro Cezar Peluso considerou que o caso não envolve questão constitucional e defendeu uma tese com três possibilidades de decisão, dependendo da natureza jurídica do Recurso Extraordinário e da forma como o tribunal local analisar o tema. Para ele, o campo do Direito do Trabalho é típico da autonomia privada e nele as partes têm liberdade de criar normas que incidem ou excluem normas do ordenamento jurídico. “Nada impede uma empresa de assumir as obrigações de previdência complementar como cláusula de contrato de trabalho, em acordo com os trabalhadores”, disse.
Peluso disse que “é preciso analisar como o tribunal conheceu a causa. Se foi relação jurídica proveniente de contrato de trabalho, a competência é da Justiça trabalhista. Se a relação jurídica não envolve contrato de trabalho, a competência é da Justiça Comum. Nos casos em que seja controversa a natureza da relação jurídica ou que a decisão depende de análise de provas, é inviável o Recurso Extraordinário, pois a decisão do tribunal recorrido reveste-se de soberania”, concluiu.
Apesar das teses diferentes, ambos os relatores chegaram a uma mesma decisão nos dois Recursos Extraordinários. Peluso acompanhou o voto da ministra Ellen Gracie e ela também o acompanhou em seu voto. A discussão voltou-se para a Repercussão Geral das decisões. O ministro Peluso considera difícil estabelecer Repercussão Geral nesses casos, pois cada ação traz uma informação diferente. “Não temos uma situação factual homogênea para estabelecer uma tese geral”, disse.
O ministro Dias Toffoli entende que a solução proposta pelo ministro Peluso não encerra o debate sobre se o plano de previdência decorre ou não de uma relação de trabalho. Para ele, a discussão é lateral e vai voltar em várias outras ações semelhantes, pois o que se pretende na verdade é protelar a decisão. “É curioso que a Fundação Petros pede a competência da justiça comum nesse Recurso Extraordinário, mas já veio à corte suprema pedir a competência da Justiça do Trabalho, inclusive citando o precedente”. O ministro não concordou com a tese de Peluso, mas acompanhou o voto na sua conclusão. Ele concordou com a tese de Ellen Gracie e acompanhou o voto da ministra.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou a tese do ministro Cezar Peluso e divergiu da tese da ministra Ellen Gracie. Ela negou provimento ao recurso relatado pelo ministro Peluso “por ausência das condições constitucionais para conhecimento do RE”. Cármen Lúcia admitiu a possibilidade de rever seu voto no caso da tese da ministra Ellen Gracie seja aprovada pela maioria. O ministro Joaquim Barbosa pediu vista do processo. Os ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello aguardam o retorno do processo a julgamento.
Fonte: Consultor Jurídico