Falta pouco para começar a implantação do processo judicial eletrônico em todo o país. O sistema já está pronto, cabendo apenas ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça votar uma resolução que definirá como os tribunais que já têm um sistema em funcionamento terão de adaptá-los. As informações são do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Paulo Cristóvão (foto), um dos coordenadores do programa.

“Já temos uma versão completamente estável do sistema, que pode ser instalada por todos os tribunais apenas seguindo-se alguns passos”, comenta o juiz.

Segundo ele, a próxima medida é do Plenário do Conselho e da comissão de tecnologia da informação do órgão, que deverão avaliar e votar uma minuta de norma definitiva para os tribunais. O relator da matéria é o conselheiro Rubens Curado, que ainda não liberou a proposta para votação, mas deve fazê-lo para as próximas duas sessões do CNJ — no dia 22 de outubro, ou no dia 5 de novembro.

Pesadelo para os advogados, as contingências no processo eletrônico agora serão acompanhadas de perto pelo CNJ. De acordo com o juiz auxiliar, nos próximos 15 dias entra no ar um serviço que vai fiscalizar em tempo real os acessos ao PJe em todo o país, que testará e informará indisponibilidades, emitindo certidão que permitirá o ajuizamento em papel.

“O advogado vai se sentir mais seguro. Não será o tribunal quem dirá se seu sistema caiu ou não, mas o CNJ, que, pela internet, simulará o acesso como se fosse um advogado”, explica Cristóvão. Problemas recentes de acesso geraram inúmeras reclamações da OAB quanto a perdas de prazo e impossibilidade de peticionamento em papel em tribunais de São Paulo, Rio de Janeiro e Pará.

Por isso, o comitê gestor do PJe, responsável pelo desenho do programa, propôs, na resolução a ser votada pelo CNJ, a proibição de que softwares que se passam por usuários para consultar lotes de processos ao mesmo tempo — os chamados “robôs” — acessem o sistema. Em agosto, a instabilidade no sistema do Judiciário do Rio de Janeiro deveu-se ao ajuizamento simultâneo de um grande volume de casos, feito por softwares “robôs”. “A minuta da resolução prevê que o próprio tribunal pode bloquear o acesso dos ‘robôs’, evitando que o sistema caia”, diz o coordenador.

As reclamações da advocacia foram o motivo pelo qual o CNJ diminuiu o ritmo da implantação. “A advocacia entendeu que precisa participar mais ativamente desse processo, e deixou isso claro aos tribunais”, admite o juiz.

O desenho final é resultado do trabalho do comitê gestor do PJe, criado no fim do ano passado para cuidar especificamente das cortes estaduais. De lá para cá, o grupo se debruçou sobre uma nova versão do sistema. “Hoje estamos com versão bem estável, e trabalhando para a próxima, que vai trazer uma série de melhorias para a advocacia”, garante Cristóvão.

Segundo ele, passada a etapa de elaboração, a fase agora é de instalação. O cronograma prevê procedimentos inicialmente no próprio CNJ, no Superior Tribunal Militar e nos Tribunais de Justiça do Pará e do Distrito Federal. A Turma Nacional de Uniformização, também prevista na agenda, será a última fase na cadeia processual dos Juizados Especiais Federais, já que todos os casos ajuizados nessa especialidade da Justiça já são digitais.

Com o maior volume dentre as categorias de processos na Justiça, as Execuções Fiscais terão prioridade. A Procuradoria fiscal de Pernambuco será a primeira a testar sistema integrado ao do Tribunal de Justiça para o ajuizamento via internet. O órgão já protocola esses processos sem papel, por meio de arquivos gravados em DVD, mas testará agora o procedimento à distância. A última reunião para definir os detalhes ocorreu na quarta-feira passada (2/10). “Será o primeiro órgão a transmitir Execuções Fiscais pelo Processo Judicial eletrônico”, afirma Paulo Cristóvão.

“Atividades automatizáveis nesse cenário de processos em grande quantidade são muito maiores, por isso a digitalização pode trazer ganhos na tramitação desse tipo de processo e na identificação de eventuais patologias do sistema”, justifica. “O programa consegue facilmente encontrar e certificar uma prescrição, atividades que hoje levam muito tempo nos cartórios das varas.”

Caminho aberto

A área de tecnologia da informação do CNJ evita falar em prazos para a implantação definitiva do PJe em todas as varas do país, devido às particularidades de cada Justiça. A implantação na Justiça do Trabalho, no entanto — a mais adiantada até agora —, permite um prognóstico. “Depende do porte. A Justiça do Trabalho previu três anos para a implantação em 100% das varas. Em dois anos, está em 40%. Tribunais menores vão conseguir fazer em menos tempo”, estima Cristóvão.

Segundo ele, a rotina prevê que primeiro seja instalado o sistema para atender a uma área específica do tribunal, cujos servidores serão treinados para trabalhar com a novidade. Essa fase dura de dois a três meses. Em seguida, esses servidores capacitam os demais, permitindo que outras áreas recebam o sistema.

O caminho de implantação também muda conforme o tribunal. Nos Juizados Especiais, o processo digital começou de baixo para cima, na primeira instância, sendo instalado depois nas superiores. A TNU agora também poderá julgar sem ter de imprimir os recursos. Já na Justiça Eleitoral, a ideia é começar no sentido inverso, pelo Tribunal Superior Eleitoral, para só então passar aos Tribunais Regionais. “Isso se deve à estrutura organizacional histórica do TSE. A corte tem um poder normativo muito forte”, explica o juiz auxiliar.

De manuseio simplificado, o programa vai permitir inclusive que qualquer cidadão possa ajuizar sua demanda, sem a necessidade de um advogado. Embora não dispense a representação nos casos em que a lei exige, a funcionalidade prestigia o jus postulandi, princípio segundo o qual o trabalhador não precisa contratar um advogado para ajuizar uma causa contra seu empregador. “Ajuizar um processo requer apenas cinco passos. Qualquer pessoa com um mínimo de informação do que quer fazer não terá problemas”, garante Cristóvão.

Outra facilidade é a abertura para inclusão de arquivos de mídia como prova, como gravações em áudio e vídeo — o que estimula teleconferências —, além dos arquivos de texto. A definição dos formatos e tamanhos caberá a cada tribunal, mas o sistema, por padrão, admite pdf, mp3, ogg e ogv. O espaço necessário em servidores para arquivar todo o conteúdo também fica por conta de cada corte, bem como as rotinas de backup e segurança. De todo modo, o CNJ recomendará o equipamento necessário para cada grupo de mil usuários.

Para os juízes, a mudança será mais perceptível. “O julgador poderá acessar as ações de um tablet”, exemplifica Cristóvão. Ele afirma que os arquivos dos processos poderão ser copiados para evitar a paralisação de julgamentos em caso de o sistema parar de funcionar.

Progresso paulatino

O pontapé inicial da informatização de processos judiciais foi a Lei 11.419, de 2006. Em 2008, a Resolução 65 do CNJ determinou que todos os tribunais do país utilizassem uma forma única de numeração de ações, passo básico para a instalação de um sistema comum. Em seguida, diversos estudos e testes foram feitos.

Em 2009, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi um dos primeiros a implantar seu próprio sistema, processo que foi concluído no ano seguinte. Em pleno funcionamento, o programa agora terá de se adaptar às novas exigências do CNJ.

Mas segundo o juiz auxiliar da Presidência Paulo Cristóvão, não será necessário “reescrever” os programas. “Não é preciso trocar, basta adaptar, porque o que é importante é a informação, que é o processo. Não importa qual é o sistema se ele puder trocar informação com qualquer outro, inclusive o PJe, por meio de exportação de dados”, explica. A chamada “interoperação”, que permite que sistemas diferentes “conversem” — inclusive com o de órgãos como o Ministério Público ou a Advocacia da União —, foi disciplinada no início do ano pela Resolução Conjunta 3, do CNJ e do CNMP. A norma criou o Modelo Nacional de Interoperabilidade (MNI), obrigatória para todos os tribunais a partir de 2015.

O juiz explica que, embora já estivesse pronto e em uso, o sistema do TRF-4 não foi viável para ser replicado como padrão para os demais tribunais devido à sua complexidade e por exigir licenças pagas de software. “A 4ª Região usa quatro sistemas diferentes em um só: um para petições, outro para a Central de Mandados, outro para o processo eletrônico em si e outro para a tramitação do processo em papel.” Já o PJe do CNJ é um programa aberto, que não exige qualquer licença de software.

Fonte: Conjur