Começou na manhã desta sexta, 15 de março, o Curso em Capacitação em Negociação em Causas Complexas, que está sendo realizado no auditório do Tribunal Pleno, no Edifício Sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). As atividades se estendem até às 18h do sábado.
A iniciativa é consequência da criação do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão, uma parceria entre os Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e o Ministério Público (CNMP). Esteve presente na abertura a conselheira do CNJ Maria Tereza Uille.
O público-alvo são oito juízes do Judiciário estadual mineiro, membros da Justiça Federal e do Ministério Público que atuam em demandas judiciais de alta complexidade e repercussão social. O facilitador é Yann Igor Pierre Georges Duzert, professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), consultor e autor de 17 livros sobre negociação.
O presidente Nelson Missias de Morais (à dir.) comentou que a negociação é uma forma de
contribuir para reduzir a litigiosidade e a excessiva judicialização
Desafio
O presidente do TJMG, desembargador Nelson Missias de Morais, declarou que o curso certamente terá repercussão duradoura, “pela alta capacidade multiplicadora dos juízes, procuradores, promotores e defensores presentes”, e também porque o conteúdo programático descortina “o mundo teórico e prático da negociação, dos aspectos simples até questões mais complexas, de base científica”.
O magistrado frisou a tradição da autocomposição em Minas, citando como uma negociação bem-sucedida com participação do TJMG o acordo que pôs fim a um conflito de mais de cinco anos, a Ocupação Izidora, considerada a maior da América Latina.
“A negociação ainda não é uma prática rotineira na Justiça brasileira, mas vejo-a como forma de contribuir para reduzir a litigiosidade e a excessiva judicialização. Negociar soluções deve fazer parte do nosso dia a dia, sem que nos afastemos das previsões e disposições legais. Mas a margem que temos é razoável, desde que o foco seja a busca da paz social, missão inarredável e insubstituível da Justiça”, enfatizou.
Para o presidente, há muito o que restaurar, recuperar e aprender com o desabamento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. “A nossa e as gerações futuras jamais esquecerão esse desastre, o maior da história brasileira, somadas as perdas humanas e ambientais. Cabe-nos tirar dele todas as lições possíveis, para que essa tragédia não se repita em tempo algum”, concluiu.
A conselheira Maria Tereza Uille destacou a importância da união de esforços entre o
Poder Judiciário e o Ministério Público para dar celeridade a demandas complexas.
Forjados para o litígio
A conselheira Maria Tereza Uille destacou a importância da união de esforços entre o Poder Judiciário e o Ministério Público, nos segmentos estadual e federal, para buscar alternativas viáveis, capazes de dar celeridade às demandas apresentadas pelos atingidos com o desabamento da barragem em Brumadinho. Ela entende que a mediação e a conciliação podem ser a forma mais ágil para reparar os danos causados.
A mesma linha de entendimento foi adotada pelo conselheiro nacional do Ministério Público, Valter Shuenquener de Araújo. Ele, que é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, considera que a realização do curso de capacitação de negociação de causas complexas, reunindo o Judiciário e o Ministério Público Estadual e Federal, é um marco histórico. Ambos estarão aparelhados para tratar de processos complexos com estratégias de negociação antes de assinarem uma sentença.
O conselheiro observou que grande parte dos magistrados e promotores possui formação voltada para solucionar conflitos com base na legislação. “Ambos são forjados para o litígio”, disse. Ele avalia que a adoção da conciliação como alternativa ao julgamento tem mostrado ser o caminho mais eficaz para a solução rápida das desavenças entre as pessoas. A negociação pode resultar num "sim" entre as partes, sem ressentimentos.
O conselheiro Valter Shuenquener observou que magistrados e promotores devem aprimorar
técnicas de negociação e conciliação para finalizar processos judiciais
Oportunidade
Segundo Yann Duzert, o curso fornece instrumentos aos magistrados para conduzir negociações com equilíbrio, abraçando sempre que possível a chamada resolução alternativa de disputas. Juízes e promotores passam a ser facilitadores, isto é, observadores privilegiados, devido ao seu conhecimento e treinamento, para intervenções inteligentes em prol do entendimento.
“Esses profissionais têm o papel de ajudar as partes a desenvolver empatia, reconhecer erros e reparar os danos, explorando uma linguagem que enfatize o aprendizado, evite julgamentos de valor e respeite as identidades. Eles podem auxiliar o alinhamento de noções e percepções, agindo no momento certo para que as emoções não prejudiquem o processo”, afirma.
O estudioso ressalta que os métodos consensuais atualmente solucionam 97% das ações civis nos Estados Unidos da América, tendo conquistado também a adesão de 70% dos processos de familiares das vítimas do voo 3054 da TAM, responsável pela morte de 199 pessoas em 2007, em São Paulo.
O facilitador Yann Igor Pierre Georges Duzert abordou questões de natureza ambiental
na mediação de conflitos
Lisura
“Na era da transparência, negociar passa mais pela gestão do risco da informação e da decisão que pelo poder, pela agressividade e pela força. Trata-se de um jogo cognitivo, no qual os ganhos advêm do comprometimento ético, da racionalidade e do controle das emoções e reações”, diz.
Nessa perspectiva, o outro lado não é encarado como um adversário ou antagonista, mas como alguém que vai ajudar a achar uma solução que vise ao bem comum, que embarca conosco num aprendizado conjunto. Pode haver diferentes pontos de vista, mas é preciso gerir as identidades, para que as discordâncias não sejam levadas para um nível pessoal, e sim vistas como autoafirmações que devem ser respeitadas.
Duzert defende ainda que não se deve buscar o acordo a todo custo nem considerar, na ausência de um entendimento, que a negociação fracassou. A validade da negociação está no aumento da probabilidade do acordo, do ganho para todos os envolvidos, da produtividade e da confiança.
“Se o Judiciário conclui que uma das partes ou ambas não estão de boa-fé, se todas as esperanças de acordo malograrem, cabe decidir de acordo com a lei. Para isso dispomos da Polícia, da Justiça e de outros atores”, argumenta.
Programação
A formação será dividida em dois dias: na sexta,durante a manhã, haverá uma etapa teórica, de familiarização com conceitos e metodologias. Além de estratégias para aumentar a probabilidade de fechar um acordo, serão discutidas a neurociência da negociação, a biologia do comportamento e a ciência da decisão.
O tema da tarde são as abordagens para questões de natureza ambiental na mediação e na resolução de conflitos, táticas para avaliar opções e estudos de caso.
A programação de sábado será destinada exclusivamente ao rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em Brumadinho em 25 de janeiro. A ideia é que seja feito um diagnóstico e que o grupo elabore um planejamento e uma proposta de resolução para a situação. Acompanhe as ações do TJMG no caso.
Participantes
Participaram, no âmbito da Justiça estadual mineira, os juízes Perla Saliba Brito, da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude de Brumadinho; Marcela Oliveira Decat de Moura, da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Mariana; Flávia Generoso Mattos, da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude de Congonhas; Renata Nascimento Borges, da Comarca de Barão de Cocais; Antônio Francisco Gonçalves, da 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Itabirito; Márcia de Sousa Victória, lotada na Comarca de Itabira; Maria Juliana Albergaria Costa de Caux, da Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Nova Lima; Cláudio Alves de Souza, do Juizado Especial de Governador Valadares; Elton Pupo Nogueira, atualmente cooperando nas Varas da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte.
Observatório
O Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão, criado no fim de janeiro de 2019, pretende acelerar as respostas do sistema de justiça às vítimas de grandes catástrofes, seja pela via judicial, seja pela extrajudicial.
A medida foi adotada após o rompimento da barragem da mineradora Vale no município mineiro de Brumadinho, em 25 de janeiro. O órgão também vai monitorar o desastre ambiental de Fundão, em Mariana, em 2015; o incêndio na boate Kiss, na cidade gaúcha de Santa Maria, em 2013; e chacina de fiscais do trabalho no município de Unaí (MG), em 2004.
O observatório tem caráter permanente e almeja promover a integração institucional, elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento das diversas entidades componentes.
Currículo
Yann Igor Pierre Georges Duzert tem pós-doutorado na Harvard Law School do Massachusetts Institute of Technology (MIT/EUA) e doutorado em gestão do risco, da informação e da decisão na École Normale Supérieure de Cachan/École Polytechnique de Paris (2002).
Mestre em Gestão Internacional na HEC-Lausanne/École Supérieure de Commerce de Rennes (1999), Duzert tem experiência na área de administração com ênfase em negociação e resolução de conflitos.
Além de lecionar em cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e MBA em negociação, coleciona experiências profissionais exitosas em diversas empresas renomadas na Europa, Ásia, América do Norte e América do Sul.
Presenças
Prestigiaram o início do curso o 1º vice-presidente do TJMG, desembargador Afrânio Vilela, a 2ª vice-presidente, desembargadora Áurea Brasil, as desembargadoras Shirley Fenzi Bertão, coordenadora do Cejusc Ambiental, e Maria Aparecida de Oliveira Grossi, os juízes auxiliares da Presidência, Luiz Carlos Rezende e Santos e Jair Francisco dos Santos, os juízes auxiliares Armando Ghedini Neto, da 1ª Vice-Presidência, e Luís Fernando de Oliveira Benfatti, da 2ª Vice-Presidência entre outros.
Fonte: TJMG