O processo eletrônico está na iminência de ser “resetado” no país. Deve entrar na pauta das próximas sessões do Conselho Nacional de Justiça a votação de uma proposta de resolução que pretende obrigar os tribunais a instalar o sistema ainda em desenvolvimento do órgão, o Processo Judicial Eletrônico, ou PJe. Nos dias 5 ou 19 de novembro, os conselheiros decidirão se os tribunais que já têm sistemas funcionando — mediante contratos firmados com empresas de software por licitação — serão obrigados a removê-los e migrar para o PJe, e se haverá um prazo para isso. Segundo a Ordem dos Advogado do Brasil, há mais de 20 sistemas independentes usados em todo o país.
Submetida a consulta pública pelo Comitê Gestor do Sistema Processo Judicial Eletrônico do CNJ, a minuta da resolução já desespera as cortes. Pelo menos duas enviaram ofícios ao CNJ afirmando que uma determinação dessa natureza violaria a discricionariedade administrativa dos tribunais, que seriam obrigados a jogar fora todo o investimento já feito nos próprios sistemas para adotar outro cujo desempenho ainda é incerto. De acordo com os tribunais, contratos milionários estão em jogo, assim como anos de adaptações para se chegar ao formato atual.
É o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país. O projeto de informatização começou há sete anos, com investimentos que já somam R$ 300 milhões.
Em manifestação entregue ao Conselho Nacional de Justiça, a corte afirma que a resolução prejudicaria tribunais em estágio avançado no processo eletrônico, com implantações que começaram antes do surgimento do PJe, em 2009. “A migração do PJe seria um processo caro e demorado. O TJ-SP teria que trabalhar com dois sistemas por um período, mantendo o atual, pois o PJe não é utilizado para processos físicos (há milhões em andamento) e não tem a maior parte das funcionalidades existentes no programa adotado em São Paulo”, diz ofício enviado ao CNJ, segundo a assessoria de imprensa do tribunal.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul é um dos primeiros do país a ter um sistema de processo eletrônico, instalado em 2005. A corte também mandou ofício ao CNJ, assinado por seu presidente, desembargador Joenildo de Sousa Chaves (foto) — clique aqui para ler —, alegando risco de prejuízo, retrocesso e caos. “Não soa razoável e até mesmo moral impedir o melhoramento de solução privada utilizada e em pleno funcionamento há mais de uma década, na espera de um sistema que até o presente momento não demonstrou equivalência àqueles desenvolvidos no âmbito privado”, afirma o documento. “Estar-se-ia, pois, sacrificando indeterminadamente os jurisdicionados e operadores, em uma espera por suficiência da alternativa pública, o que por certo importaria retrocesso social.”
Chaves alerta que seu tribunal não se opõe ao PJe, mas à obrigatoriedade da substituição com prazo definido. Segundo ele, a migração só é recomendável quando o sistema do CNJ alcançar o grau dos atualmente no mercado. “A substituição de software em elevado grau de aprimoramento e efetividade por alternativa pública de menor envergadura compromete sobremaneira os princípios da eficiência, razoabilidade, vedação ao retrocesso social e livre iniciativa decorrentes do regime constitucional vigente.”
Diante dos protestos, já há quem diga que o CNJ cogita uma flexibilização no texto da resolução, embora quem conduza a implantação do PJe não admita. A solução salomônca seria a introdução de um artigo excetuando os tribunais com sistemas já instalados da obrigação de trocá-los.
Fontes ouvidas pela ConJur acreditam que se o CNJ insistir em impôr a obrigatoriedade de troca de sistemas, a questão pode ser judicializada. Uma delas é o advogado Alexandre Atheniense (foto), especialista em Direito e Informática que conhece há mais de 10 anos o cenário de informatização da Justiça no Brasil.
"Não estou seguro de que, na prática, essa medida imposta poderá alcançar êxito, sobretudo em razão da autonomia orçamentária dos tribunais. Chego a temer que esse impasse poderá acarretar inclusive uma possível judicialização do assunto, caso não haja a construção de um consenso que permita harmonizar os interesses entre o órgão regulador e os tribunais", diz.
Gastar para economizar
É em um acórdão do Tribunal de Contas da União que o CNJ diz basear sua iniciativa. No ano passado, por conta de irregularidades constatadas em contrato firmado sem licitação pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região para instalação de sistema de acompanhamento processual em 2004, o TCU recomendou ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho que adotasse medidas para “evitar o desperdício de recursos no desenvolvimento de soluções a serem descartadas quando da implantação dos projetos nacionais (…), bem como se abstendo da prática de contratações cujo objeto venha a ser rapidamente descartado, podendo resultar em atos de gestão antieconômicos e ineficientes" — clique aqui para ler.
Para o CNJ, ao tirar dos tribunais a incumbência de escolher e pagar pelos sistemas, o risco de gastos desnecessários cai. O órgão considera haver “multiplicidade de sistemas de tramitação processual, seja em meio físico ou eletrônico, o que gera replicação de gastos e investimentos pelos tribunais e dificuldades de aprendizado para os usuários, notadamente os advogados que atuam perante vários tribunais diferentes”, conforme a minuta da nova resolução.
O artigo 44 da minuta é o vilão da história para os tribunais. O dispositivo proíbe a “criação, contratação e instalação de novas soluções de informática para o processo judicial eletrônico, ainda não em uso em cada tribunal, bem como a realização de investimentos nos sistemas existentes”. Ou seja, caso aprovado, o texto impedirá quaisquer gastos com sistemas processuais, ressalvadas apenas as manutenções necessárias ao funcionamento, desde que não ampliem ou dêm nova versão ao que já foi feito.
Fonte: Conjur